domingo, 1 de julho de 2012

reflexões*

* publicada originalmente na +Soma #25


POR CAMILA ALAM

Realizado permanentemente pelo Itaú Cultural, o projeto Ocupação já contemplou personalidades tão plurais quanto o diretor de teatro Zé Celso, o artista plástico Nelson Leirner ou o músico Chico Science. Com o intuito de aproximar o visitante da obra e do processo de criação do artista, o projeto expõe Rio Oir, do carioca Cildo Meireles, até 02 de outubro [de 2011].

Um dos maiores artistas de sua geração e importante nome da arte contemporânea internacional, Cildo costuma convidar o visitante a refletir sobre questões de ordem política. Desta vez não é diferente. Rio Oir é uma obra sonora, um disco de vinil que de um lado registra o som de quatro principais bacias hidrográficas do Brasil e de outro apresenta o som de risadas e gargalhadas. O visitante passeia pela ocupação, ouve os dois lados do disco e entende o processo de criação da obra por meio das fotografias de Edouard Fraipont, registros da viagem feita pelo o artista e sua equipe (iniciada em 2009) às bacias nacionais – elas estão no Distrito Federal, Amapá, Paraná e na fronteira entre os estados Alagoas e Sergipe. 

Pensado originalmente em 1976, o LP tomou forma somente agora e seu processo de criação fez o artista mergulhar na questão das águas. “Encontramos nascentes natimortas, o que foi muito impactante. O caso do Rio São Francisco talvez seja o mais emblemático, um rio que se tornou muito doente nas últimas décadas”, diz o artista que também percebeu, ainda que tardiamente, o impacto causado pelas usinas hidrelétricas nestas e em outras regiões. “Durante minha vida, até por ignorância mesmo, defendi as usinas hidrelétricas como fonte de energia. Mas olha o estrago que ela faz ao ser implantada. Boa parte dos rios já estão altamente contaminados por substâncias como o mercúrio”.

É desta forma que o artista faz seu alerta e encaminha esta peça a um questionamento político surgido naturalmente. “Originalmente queria apenas trabalhar a inversão do rio e do riso. Mas se transformou”, diz. Rio Oir é, nas palavras do curador Guilherme Wisnik, um palíndromo, ou seja, uma frase reversível. Desta forma, Cildo constrói uma relação de espelhamento, que remete a própria estrutura do vinil e convida o visitante a oir (“ouvir”, em castelhano) o rio e o riso.  “No fim, é como se os dois lados fossem um só: rio, riso, choro e chuva”, completa o curador. Ao som dos rios, o artista incluiu o barulho de águas residuais, como torneiras, descargas, goteiras, bebedouros. “Muito em breve todas as águas fluviais do Brasil serão, de certa forma, residuárias, pois elas já estão sendo conspurcadas na fonte”, diz o artista.

Este não é o primeiro trabalho sonoro de Cildo Meireles, ao contrário, os sons são intrínsecos a sua produção desde a década de 1970, seja por meio de aparelhos ou pela própria ação do visitante. Mebs/Caraxia (de 1970), Sal Sem Carne (1975) e Babel (2001) são alguns dos projetos essencialmente sonoros do artista, assim como Liverbeatlespool, criada para a Bienal de Liverpool de 2004, onde sobrepõe canções do quarteto inglês as transformando em ruídos.  Na contramão, há sons produzidos pelo próprio visitante, como na instalação Através (1989), em que o público que pisa sobre um chão de vidro estilhaçado, provocando barulhos que tão tom a obra.  

De uma maneira ou de outra, o que Cildo Meireles faz é levar o visitante a uma experiência audiovisual e estética onde geralmente transmite uma mensagem de protesto, ainda que sutilmente. Do seu caderninho de anotações, companheiro fiel de jornada desde os primeiros anos de sua produção, saem estes e outros alertas que fazem o espectador refletir não só sobre a arte, mas sobre o próprio mundo ao seu redor.


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