POR CAMILA ALAM
Realizado permanentemente pelo Itaú Cultural, o projeto
Ocupação já contemplou personalidades tão plurais quanto o diretor de teatro Zé
Celso, o artista plástico Nelson Leirner ou o músico Chico Science. Com o
intuito de aproximar o visitante da obra e do processo de criação do artista, o
projeto expõe Rio Oir, do carioca
Cildo Meireles, até 02 de outubro [de 2011].
Um dos maiores artistas de sua geração e importante nome da
arte contemporânea internacional, Cildo costuma convidar o visitante a refletir
sobre questões de ordem política. Desta vez não é diferente. Rio Oir é uma obra sonora, um disco de
vinil que de um lado registra o som de quatro principais bacias hidrográficas
do Brasil e de outro apresenta o som de risadas e gargalhadas. O visitante
passeia pela ocupação, ouve os dois lados do disco e entende o processo de
criação da obra por meio das fotografias de Edouard Fraipont, registros da
viagem feita pelo o artista e sua equipe (iniciada em 2009) às bacias nacionais
– elas estão no Distrito Federal, Amapá, Paraná e na fronteira entre os estados
Alagoas e Sergipe.
Pensado originalmente em 1976, o LP tomou forma somente
agora e seu processo de criação fez o artista mergulhar na questão das águas. “Encontramos
nascentes natimortas, o que foi muito impactante. O caso do Rio São Francisco
talvez seja o mais emblemático, um rio que se tornou muito doente nas últimas décadas”,
diz o artista que também percebeu, ainda que tardiamente, o impacto causado
pelas usinas hidrelétricas nestas e em outras regiões. “Durante minha vida, até por ignorância mesmo, defendi as usinas
hidrelétricas como fonte de energia. Mas olha o estrago que ela faz ao ser
implantada. Boa parte dos rios já estão altamente contaminados por
substâncias como o mercúrio”.
É desta forma que o artista faz seu alerta e encaminha esta
peça a um questionamento político surgido naturalmente. “Originalmente queria apenas trabalhar a inversão do
rio e do riso. Mas se transformou”, diz. Rio
Oir é, nas palavras do curador Guilherme Wisnik, um palíndromo, ou seja,
uma frase reversível. Desta forma, Cildo constrói uma relação de espelhamento,
que remete a própria estrutura do vinil e convida o visitante a oir (“ouvir”, em castelhano) o rio e o riso.
“No fim, é como se os dois lados
fossem um só: rio, riso, choro e chuva”, completa o curador. Ao som dos rios, o
artista incluiu o barulho de águas residuais, como torneiras, descargas,
goteiras, bebedouros. “Muito em
breve todas as águas fluviais do Brasil serão, de certa forma, residuárias,
pois elas já estão sendo conspurcadas na fonte”, diz o artista.
Este não é o
primeiro trabalho sonoro de Cildo Meireles, ao contrário, os sons são intrínsecos
a sua produção desde a década de 1970, seja por meio de aparelhos ou pela
própria ação do visitante. Mebs/Caraxia
(de 1970), Sal Sem Carne (1975) e
Babel (2001) são alguns dos projetos essencialmente
sonoros do artista, assim como Liverbeatlespool,
criada para a Bienal de Liverpool de 2004, onde sobrepõe canções do quarteto
inglês as transformando em ruídos. Na contramão, há sons produzidos
pelo próprio visitante, como na instalação Através (1989), em que o
público que pisa sobre um chão de vidro estilhaçado, provocando barulhos que
tão tom a obra.
De uma maneira ou
de outra, o que Cildo Meireles faz é levar o visitante a uma experiência
audiovisual e estética onde geralmente transmite uma mensagem de protesto,
ainda que sutilmente. Do seu caderninho de anotações, companheiro fiel de
jornada desde os primeiros anos de sua produção, saem estes e outros alertas
que fazem o espectador refletir não só sobre a arte, mas sobre o próprio mundo ao
seu redor.
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