quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

te dedico



*originalmente publicada na revista Mais nº 18

Escrever dedicatórias em livros se tornou um gesto comum entre aqueles que presenteiam. Mas, muitas vezes, elas escondem mais histórias que um grande romance

Dedicar. Do latim, dedicare. A cada emprego, o verbo adquire definição diferente. As mais comuns talvez sejam oferecer, destinar. Mas também o vale para, poeticamente, devotar, tributar, até consagrar. Mais ainda, sacrificar-se por. Dedicar é demonstrar carinho, é provar, com gestos ou palavras, que há algo ali especial para alguém. São nos livros que as dedicatórias ganham lugar de destaque, sempre nas primeiras páginas. Endereçados a alguém, estes objetos de caráter tão afetivo ganham valor ainda mais especial. Desde a antiguidade, o gesto de dedicar é comum. Os mecenas, por exemplo, recebiam dedicatórias dos artistas que financiavam. Muitos pintores retratavam seus mecenas em suas obras, sempre em lugar de destaque. Nas letras, o agradecimento poderia estar embutido nas próprias linhas. Luís de Camões, por exemplo, dedicou em versos a epopeia Os Lusíadas ao jovem rei D. Sebastião. Mas este costume, trazido aos dias atuais, remete muito mais a um gesto carinho, trocado entre aqueles que se conectam, de alguma forma, ao objeto livro.

Dono de uma das maiores e mais importantes coleções particulares do Brasil, o empresário José Mindlin, morto em 2010, reunia em sua casa uma seleção especial de dedicatórias. Muitas delas, feitas por grandes autores ao próprio empresário. Sua neta, Lucia Loeb, reúne agora parte desta coleção no livro Tão Falada Biblioteca José e Guita Mindlin, a ser lançado pela EDUSP no começo do ano. O próprio nome do livro revela sobre o apego de Mindlin às dedicatórias. Quem conta é a historiadora Eloá Chouzal, responsável pelo texto que abre a edição. “Quando José Mindlin lançou sua autobiografia Uma vida entre livros, sempre que alguém o visitava ele dava o exemplar disponível em sua casa. A edição esgotou-se rapidamente e Cristina Antunes, sua bibliotecária, o alertou de que a biblioteca Mindlin corria o risco de ficar sem nenhum. Então, Dr. José fez, num dos livros, uma dedicatória à sua própria biblioteca, garantindo que ele, “marcado”, não seria presenteado a mais ninguém”.

Demonstrando carinho com a própria coleção, o empresário inicia esta dedicatória especial com “Para a tão falada biblioteca José e Guita Mindlin”, e segue com bom humor, “atendendo a repetidas reclamações das bibliotecárias, encabeçadas por Cristina Antunes, oferece este exemplar de seu livro o autor”. Colecionador nato desde os tempos de menino, Mindlin reuniu em sua coleção dedicatórias diversas. Mas as que recebeu para sua própria biblioteca são as tratadas com maior carinho e reunidas no livro de Lucia. Autores como Carlos Drummond, João Cabral de Melo Neto, Raquel de Queiroz, Manuel Bandeira, Saramago e muitos outros fizeram suas homenagens à Mindlin e sua esposa, Guita. Toda sua coleção está acolhida hoje pela USP, boa parte digitalizada, e será transferida para prédio próprio no início de 2013. “Eu queria que fosse uma surpresa. Por outro lado, meu avô mais do que ninguém, seria a pessoa indicada para me dizer o que e onde procurar. Passamos algumas boas tardes olhando e procurando dedicatórias. Infelizmente não consegui finalizar a tempo de mostrar a ele, mas assim mesmo decidi finalizar o projeto”, diz.

As dedicatórias tem espaço especial também na coleção de Aldo Bocchini, fundador de uma grande livraria em São Paulo e hoje dono de um sebo virtual. “Hoje, como sebeiro, ao manusear os volumes de uma biblioteca adquirida, sou o voyeur que o ex-dono dos livros nem suspeita existir”. Aldo sabe que a nossa relação com os livros são especiais e que os tratamos de maneira diferente de qualquer outro objeto que possuímos. Ele não gosta, por exemplo, de dedicar ou escrever seu nome. Tampouco carimba, colamos etiqueta ou ex-libris. Mas tende a usá-los como caixinhas, guardando coisas preciosas.

“Por causa do conteúdo, não do objeto em si, confiamos nos livros e guardamos neles cédulas de dinheiro, receitas médicas e de bolo, passagens, fotografias, cartões de visita, cupons fiscais, cabelos de pessoa amada, bilhetes de loteria jamais conferidos, recortes de jornais, papéis com lembretes para nós mesmos - que vamos esquecer para sempre. Também por isso escrevemos dedicatórias simpáticas, amorosas, que às vezes têm mais a ver conosco do que com a pessoa presenteada”. Aldo acha que, por isso, talvez existam tantos livros com dedicatórias em sebos. Frases como “li e pensei em você” ou "mudou minha maneira de ver o mundo, achei que você também ia gostar" são bastante comuns nestes casos. “Nestas ocasiões, o livro vai para o sebo da esquina na primeira oportunidade”, diz.

A escritora Veronica Stigger é daquelas que gosta de procurar dedicatórias em sebos. Autora de O Trágico e outras comédias e Os anões, Veronica acredita que a dedicatória torna qualquer exemplar mais especial. “Ela acrescenta outro sentido ao livro. É como se criasse uma narrativa paralela, que faz menção a algo de exterior ao livro, a uma relação que se dá - ou se deu, mesmo que muito rapidamente - fora do âmbito do livro”. Nos sebos, ela imagina os caminhos que o livro teria percorrido para chegar em suas mãos. Mas em casa, é o marido - o crítico, poeta e ensaísta Eduardo Sterzi - que lhe presenteia com as mais especiais. “A que mais amo foi escrita no livro Formless, da Rosalind Krauss e do Yve-Alain Bois. Ele me deu de aniversário em 2004 e acabou incluída, como poema, em seu livro Aleijão, lançado em 2009”, diz. O poema, intitulado Nascença, diz: “Assim / como a forma / (digamos, do poema) / é produto / de desgaste – resto, / portanto; escória / cumulada / na órbita / fraca do gozo / originário −, // assim / teu corpo, exausto / e raro (sangue / do sangue / do poema), nasce / de novo / a cada aniversário // Com amor / Eduardo”.

Dedicatórias mais pessoais como estas, daquelas que são pensadas e inspiradas nas pessoas que a recebem, são o mote do blog Eu te dedico, criado pela designer mineira Mariana Gogu. “Eu sempre gostei muito de dedicatórias, de receber e dar. Fiquei pensando como deveria haver várias por aí perdidas, escondidas na estante, sem serem compartilhadas”, diz. No ar desde fevereiro deste ano, a página é alimentada colaborativamente, com histórias de anônimos que enviam suas dedicatórias preferidas. Geralmente, elas são recheadas de histórias, casos de amor, aniversários, viagens. Além de postar as dedicatórias, Mariana pede que cada pessoa explique o contexto em que aquela dedicatória foi criada. “Quando se lê o contexto, toda história muda”, diz.

Mariana costuma dizer que um livro com dedicatória conta duas histórias, uma que começa no primeiro capítulo e outra que começou antes, entre duas pessoas. Uma destas histórias é a sua e de seu irmão Douglas, revelada no blog depois de muito Mariana insistir pela autorização. Nas primeiras páginas do livro Contos de maginário Mistério, de Edgar Allan Poe, Douglas conta a irmã que pouco escreve dedicatórias por medo de terminarem no site. Mas, por fim, revela o motivo desta espacial: tinha acabado de saber que seria pai. Ela lembra também da primeira dedicatória que recebeu, escrita por sua madrinha na capa do infantil Nossos melhores amigos. Ela dizia: “Para a Mariana aprender a gostar de ler, com amor, Didinha Lelé”. A madrinha já deve saber que, pelo jeito, apelo funcionou. 

correnteza abaixo



*originalmente publicada na revista Go Outside / Agosto 2012 

O sueco Christian Bodegren passou 280 dias atravessando os rios da América do Sul em um caiaque emprestado



Não foi por acaso que o sueco Christian Bodegren, de 38 anos, se tornou um aventureiro. Nascido e criado em uma vila ao sul da Suécia, com apenas 300 habitantes, cresceu encantado com a ideia de poder conhecer o que lhe era mostrado nos livros de geografia da escola. Quando se deu conta, estava viajando o mundo sozinho. Sua primeira viagem foi ao Egito e à Israel, no começo da década de 1990. “Estar ali era como pisar em um outro mundo, completamente diferente da aldeia verde de onde eu vinha. O mundo abriu as portas para mim e depois disso senti uma interminável necessidade de viver novas experiências”. Depois passear pela savana africana, subir as montanhas Grand Paradiso, na Itália, e atravessar o deserto do Sahara montado em dromedários, em junho deste ano ele completou outro grande feito. Por nove meses, navegou sozinho em um caiaque pelos rios da América do Sul, partindo da Venezuela até chegar a Argentina.

Li alguns livros sobre a história dos primeiros homens que atravessaram o continente pelos rios e fiquei fascinado pela região. O sonho levou a uma ideia que, por fim, tornou-se realidade”, diz. A preparação para a viagem durou alguns meses. Depois de estudar a fundo mapas, costumes, correntezas e coletar informações sobre como as populações ribeirinhas se transportam, Bodegren escolheu o caiaque como forma de transporte. Experiente remador, ele costumava competir na modalidade quando jovem. Em setembro de 2011, chegou ao ponto de partida de sua jornada, Caracas, na Venezuela.

Ao chegar lá, porém, teve seus equipamentos perdidos no aeroporto, o que o fez ter de repensar toda a expedição. Com a ajuda do amigo Aramis Mateo, proprietário de uma empresa de turismo com caiaque na Venezuela, conseguiu um antigo modelo, que precisou reformar. Assim como os navegadores o fazem, batizou a embarcação emprestada assim que estava pronta. Com o The Green Arrow [a seta verde] partiu pelo rio Orinoco em direção a parte baixa do continente. Seus dias passavam entre remadas, cochilos na rede, muitas picadas de mosquitos e encontros que o marcaram, com animais selvagens ou pessoas que o ajudaram pelo caminho. Vez ou outra, percebia uma movimentação estranha, que deduziu fazer parte do tráfego de drogas que rondeia a região das fronteiras.

Talvez eu tenha tido sorte, mas todas as histórias que me contaram sobre saqueadores pelos rios da Venezuela e Colômbia me parecem como Eldorado, um mito”, disse em novembro do ano passado em seu diário on line, atualizado graças a um sistema de satélite ligado ao seu netbook com bateria solar. O sistema também permitia a parentes e amigos acompanhar a viagem pela internet. Com GPS integrado ao caiaque, a rota do remador era atualizada em tempo real. “Eu imagino o que Antonio Raposo Tavares diria dessa tecnologia”, diz no mesmo diário, citando o explorador português que percorreu mais de 10 mil quilômetros pelos rios brasileiros entre 1648 e 1651.

De fronteira em fronteira, Bodegren passou pelos rios Madeira, Negro, Amazonas, Paraná. Neste último, encontrou um grupo com cerca de 150 remadores, participantes de um encontro anual de caiaques. Bodegren os acompanhou em diferentes rotas por dois dias, até dar continuidade ao seu trajeto rumo a Buenos Aires, pelo Rio De La Plata. Remar contra corrente durante a temporada de chuva foi sua maior dificuldade. Apesar disso, depois de 280 dias, chegou a uma praia na província de Tigre, a cerca de 1 hora da capital argentina, celebrando com espumante e a bandeira da Suécia.

As referências a outras viagens e expedições são temas frequentes no diário do sueco e demonstram o tempo que remador gastou pesquisando histórias e curiosidades sobre a região. De maneira quase didática, ele escreve sobre a vida selvagem, os animais que encontra pelo caminho e até arrisca dar receitas de pratos que inventa, como o sushi de piranha (que na verdade está mais para ceviche). Entre um desabafo e outro sobre os caminhos que percorre, o aventureiro conta pequenas histórias de outros exploradores e de pessoas que encontrou pelo caminho – entre elas, um casal de brasileiros que o hospedou durante o Natal, moradores de uma comunidade ribeirinha próxima ao Rio Madeira. “Conhecer pessoas e lidar com as diferenças são as coisas mais interessantes de toda viagem”, diz, frisando que não encontra problema em viajar sozinho, “exceto pela vontade de dividir a aventura com alguém”.

Quando estava viajando pelo Sahara, atravessando o deserto de leste à oeste entre 2009 e 2010, o sueco aprendeu que para se fazer uma expedição é necessário também se preocupar com algumas burocracias e costumes locais. Viajando com quatro dromedários, ele teve que vendê-los em uma parte do caminho, pois não conseguiria atravessar com eles a fronteira entre a Líbia e a Algeria. O que ele não sabia é que a venda dos animais é proibida em toda região, o que fez ser condenado pela Tunísia a ficar cinco anos sem retornar. “Eu provavelmente sou o único sueco a ter cometido um crime como esse em toda história. Prometi a mim mesmo que não iria vender nenhum dromedário na Venezuela”, brinca.

Mal retornou ao seu país, Bodegren já pensa em planejar sua próxima viagem, apesar de não saber qual seria seu destino. Sua condição é que seja em um local completamente diferente de qualquer um que já tenha ido, com condições climáticas e culturais diversas. “Tudo depende do trabalho, do dinheiro e da democracia”, diz. Atualmente morando na Noruega, ele trabalha como colocador de andaimes em plataformas de petróleo em alto mar. O que também é uma aventura, já que, para estar apto a trabalhar, teve que passar por uma série de testes e treinamentos específicos, incluindo evacuação de helicóptero embaixo d'agua. “Me pergunto quantas toneladas de andaimes tive que organizar para poder pagar minhas aventuras. Não tenho ideia e também prefiro nem pensar nisso”.

Quando está de folga, volta a Suécia e junta dinheiro trabalhando em casa como carpinteiro. Sua vida se resume, basicamente, a trabalhar para viajar. “Quando volto pra casa, fico sonhando com novas aventuras, em ter uma vida onde eu sempre esteja em algum lugar. Provavelmente, sempre será assim, já é parte de mim”, diz. Para o remador, a sensação de voltar a casa é confortante, mas é misturada a certa tristeza. Bodegren diz nascer um sentimento muito especial naqueles que se dedicam a passar tanto tempo na natureza. “É uma sensação poderosa de liberdade. Onde a mente se liberta de toda confusão e tudo parece muito mais óbvio e claro”.



pare, olhe, escute*


*originalmente publicada na Revista Mais nº17 

 No outono do ano 2000, na cidade de Santos, Paulo Eduardo Aagaard, o Pauê, caminhava rumo a academia de ginástica. O trajeto era repetido todos os dias, geralmente na parte da noite, depois que o jovem saía do cursinho. Ir a academia, assim como surfar, fazia parte de sua rotina. O trajeto era cortado por uma linha de trem, desativada há anos. Por uma dessas razões inexplicáveis da vida, naquele dia, passava por aqueles trilhos uma locomotiva. Sem perceber, Pauê atravessou a linha e acordou no hospital, com os paramédicos avisando que ele havia perdido parte das duas pernas.

Pauê tinha 18 anos e teve que reaprender a viver após o acidente que quase o matou. Mas, de certa forma, a fatalidade foi também responsável por transformar o garoto em homem. “Ele teve que amadurecer na marra”, conta sua mãe, Maria Cristina. Hoje, aos 30, o esportista, fisioterapeuta e palestrante conta sua história de maneira bem humorada e busca levar motivação e incentivo àqueles que, como ele, precisam diariamente superar desafios.

Aconteceu tudo muito rápido. Maria Cristina estava num curso noturno, quando recebeu a notícia do acidente do filho primogênito. “Parecia que estava num pesadelo, aquele tipo de coisa que nunca achamos que vai acontecer com a gente. Cheguei no hospital, encontrei a família chorando e aí vi que o negócio era grave”. Ela estava ao lado do filho, do ex marido Paulo e do caçula Bruno, quando os médicos lhe contaram que Pauê havia perdido parte das pernas.

A equipe lhe disse que dali a um mês ele voltaria a andar. Dias na UTI, muita dor, diversas cirurgias e três meses depois, não só Pauê estava em pé, como já estava de volta ao mar, surfando. Ainda se acostumando com um novo corpo, conta ter tomado uma decisão, dessas que mudam pra sempre a maneira de enxergarmos a vida. “O que temos de mais precioso é o livre arbítrio e as escolhas que fazemos são a maior razão da nossa vida. Na hora eu pensei: daqui pra frente minha vida vai ser assim. Cabe a mim decidir o melhor caminho e eu decidi ser feliz”.

A decisão de voltar a surfar foi o ponta pé inicial para uma nova vida. É no mar que Pauê encontra, até hoje, harmonia. Naquele momento, não seria diferente. “Já é difícil se equilibrar na prancha com as duas pernas, imagina com prótese”, diz. Depois de alguns meses de treinamento, ele conseguiu achar a melhor técnica para cair na água: sem próteses, de joelhos, com o leash (aquela cordinha que segura a prancha ao tornozelo do atleta) adaptado a cintura. Pauê se tornou assim o primeiro surfista biamputado do mundo e não há ninguém que surfe como ele assim. A readaptação aconteceu até nas vestimentas. A marca brasileira de surfwear Mormaii fez para Pauê uma série de roupas de borracha apropriadas a sua nova condição. Foi desta retomada ao esporte que ele pegou gosto por testar seus limites. Reaprendeu a nadar – “no começo não conseguia boiar, depois peguei o jeito” -, a andar de bicicleta – “outro dia ainda levei um tombo” - e a correr, com a ajuda de próteses de fibra de carbono especiais para o esporte e feitas sob medida.

As conquistas começaram quando, ao unir os três esportes, Pauê passou a se dedicar de corpo e alma ao triatlo. Treinava todos os dias, sempre alternando as modalidades, seguindo planilhas com acompanhamento de médicos e nutricionistas. Dois anos após o acidente, o primeiro surfista biamputado do mundo era também o para-atleta campeão brasileiro e mundial de triatlo. “O triatlo me estimulava a enfrentar minhas próprias limitaçõs, minha briga era comigo mesmo sempre”. Pauê se manteve campeão do Troféu Brasil de Triatlo por cinco anos, entre 2002 e 2006. Também foi bronze nos Jogos Pan Americanos realizados na República Dominicana, em 2003. Depois de vencer pela quarta vez o Campeonato Internacional de Triatlo, realizado pela CAF - Challanged Athletes Foundation, na Califórnia, o atleta se encantou com um novo esporte e desde 2008 se dedica a canoagem oceânica. “Com o tempo percebi que não bastava mais competir comigo mesmo. Optei por fazer do esporte uma ferramenta de comunicação, para passar a outras pessoas uma mensagem de superação”.

Introdutor do esporte no Brasil, sete vezes campeão brasileiro de canoagem olímpica, Fabio Paiva foi o responsável por levar Pauê ao mundo da canoagem oceânica. Depois de um contato inicial com o esporte, em provas de velocidade, Pauê percebeu na modalidade oceânica a sensação de ir além do recorde. “Hoje, meu objetivo não é quebrar recordes de tempo, mas fazer grandes desafios de resistência ”, diz. Para Pauê, nada se compara a sensação de estar sozinho na água. “Não me encontro em nenhum lugar mais que na água. Quando estou lá no fundo é de verdade. E se, por algum motivo, estou abatido ou mal humorado, preciso mergulhar”.

Com Fabio, pretende realizar um dos grandes feitos de sua carreira no final deste ano, o projeto Superágua. A ideia é sair do Rio de Janeiro de caiaque e percorrer 400 quilômetros até chegar a Santos. A travessia durará dez dias, será inteira documentada e a experiência servirá de material para futuras palestras em encontros com estudantes. “As expedições contam com leis de incentivo e o objetivo é sempre trazer um feedback educativo, focado no incentivo ao esporte e na bandeira da superação”. Para o ano que vem, planeja o projeto Super Bike, que levará Pauê e um outro convidado a dar a volta na ilha de Florianópolis de bicicleta.

Pauê conta seus feitos e planos com tranquilidade, gesticula bastante. Gosta de falar e é vaidoso. Mas o que mais chama atenção no convívio com ele – dizem - é o bom humor. Diego Nunes, seu sócio e amigo, conta que são raras as vezes em que o atleta está de cara fechada. Os dois se conheceram há pouco tempo, cerca de 1 ano e meio, e juntos mantêm a empresa NP2, responsável pela administração da carreira do atleta, assim como os projetos da Pauê TV. Semanalmente, vídeos motivacionais são captados e lançados no seu site oficial (WWW.paue.com.br). “Conviver com o Pauê é diferente porque é uma motivação diária. Não é todo dia que a gente acorda motivado, mas ele acaba sendo em exemplo. E não é muito o perfil dele querer dar exemplo, mas acontece de maneira natural”, diz.

A pedra no caminho pode ser um diamante / Pode ser que ela me atrase / Pode ser que eu me adiante. Os versos são de Gabriel O Pensador, na música Cavaleiro Andante, de 2005. O rapper carioca dedicou essa música a Pauê, depois de conhecer a sua história por um programa de tevê. Gabriel entrou em contato com a produção da emissora e enviou um email ao atleta, estreitando ligações. Inspirado pela história do garoto, passou, meio informalmente, a divulgar os feitos de Pauê. “Uma vez fui fazer um show no Guarujá e lembrei de convidá-lo. Fiz um improviso sobre ele numa música que fala de surf, ele ficou todo orgulhoso. Ele consegue transformar em palavras uma experiência muito forte que teve. Tem habilidade e inteligência para traduzir isso pra quem tá de fora e conseguir inspirar pessoas”, diz Gabriel, que é um dos personagens do documentário O passo de um vencedor. Dirigido po Fabio Cappellini, o filme será lançado no fim do ano, com incentivo da Lei Rouanet, e é baseado no livro Caminhando com as próprias pernas, que Pauê escreveu em 2008.

Hoje, o esportista está vivendo uma de suas grandes fases. Prestes a se casar – ele namora a arquiteta Verena há oito anos -, realizar um grande desafio de canoa e lançar o filme, ele sonha em poder montar no Brasil uma entidade a exemplo a CAF, que auxilie atletas deficientes e organize grandes eventos, afim de aumentar o bem estar, auto estima e qualidade de vida. Ao atravessar aquela linha de trem desativada, Pauê transformou sua vida e de seus familiares. Ao escolher o caminho da felicidade, conseguiu ir além. “Em vários momentos eu me perguntei porque isso aconteceu comigo. Mas raiva mesmo, nunca senti. Acho que tive melhor interpretação de todas, consegui enxergar com toda força que o acidente era uma nova chance. Assim anulei qualquer mal criação futura com a vida”.