quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

eles adoram o sistema*


Fotos: Olga Vlahou

Já não é novidade que a arte feita nas ruas cada vez mais salta dos muros e becos das grandes cidades para ser inserida nos ambientes antes tidos como tradicionais, como galerias, leilões e museus. O que se convencionou chamar de grafite, ou street art, ou arte de rua, avança para outras nomenclaturas, se auto-intitula arte contemporânea e, ainda mais, vanguardista.

Está, de fato, mais difícil distinguir ou definir a arte inspirada nas ruas, aquela que nasceu nas sessões de skate e hip hop. Mas está também mais fácil reconhecer sua importância no cenário das artes contemporâneas atuais, dentro e fora do Brasil. Exemplo mais recente disto é a mostra De dentro da Fora / De Fora pra Dentro, inaugurada no dia 20 de novembro, no Museu de Arte de São Paulo, o MASP.

A exposição reúne, no subsolo do museu, seis grandes artistas que levam consigo a fama de “grafiteiros”. São eles Carlos Dias, Daniel Melim, Ramon Martins, Stephan Doitschinoff, Titi Freak e Zezão, todos reconhecidos internacionalmente, que ocupam mais de 1500 metros quadrados do maior museu da América Latina com instalações, pinturas e fotografias. Acostumados a expor em galerias e participarem de feiras internacionais, veem no MASP uma experiência única, de completo diálogo entre a arte que produzem e a sociedade. “O público em geral, o pessoal das escolas, não freqüenta galerias. Esta exposição é importante para que eles vejam a produção contemporânea, esta que está sendo produzida agora”, diz Stephan Doitschinoff.

Trazer esta arte contemporânea ao maior museu da América Latina é resultado de muito suor destes e outros artistas, mas é também um trabalho de equipe que vem sendo feito há anos, que ganhou força particularmente nos últimos cinco. Os curadores da exposição Baixo Ribeiro, Eduardo Saretta e Mariana Martins tem um papel fundamental na ampliação da visibilidade da street art como objeto consumo, para apreciação e coleção. Reunidos há seis anos, criaram a Choque Cultural, galeria referência no estilo que hoje faz exposições temporárias, mas também ajuda a manter o ritmo de produção de artistas já consagrados. Além disso, conseguem impulsionar o trabalho de novos representantes e, principalmente, incentivam a criação de jovens colecionadores, para que estes possam formar a base que sustenta a linha de produção de cada artista.

“Acreditamos que a primeira instância de reconhecimento do artista é o colecionador e tentamos criar um núcleo sistemático para cada artista. Só assim ele tem suporte pra fazer projetos mais audaciosos, evoluir, continuar trabalhando na rua, o que quiser”, diz Baixo Ribeiro, que criou o conceito da galeria em 2003, junto com Mariana Martins, sua mulher, e Eduardo Saretta. O que começou como um escritório para venda e impressão de cartazes alternativos, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, se tornou, em pouco tempo, uma galeria respeitada que já tem braços voltados essencialmente a colecionadores. Com históricos pessoais voltados a arte e criação, os três juntos parecem se complementar. Baixo e Mariana são casados desde que cursavam Arquitetura na USP. Antes da galeria, ele trabalhava com moda streetwear, onde criava roupas e shapes de skate, num universo totalmente ligado à arte urbana. Mariana sempre viveu próxima às artes plásticas nacionais, sendo responsável pelo legado de um dos maiores artistas brasileiros, seu pai, Aldemir Martins.

Numa época em que a internet começava a difundir novos artistas e a espalhar ainda mais o conceito de arte urbana, o casal conheceu Saretta, por meio dos fotologs, ferramentas muito populares no começo da década 2000. Historiador, ligado ao coletivo SHN, que espalha serigrafias, adesivos e posters pelas cidades de São Paulo, Saretta incorporou ainda mais ao grupo a forte vivência das ruas. “Nos juntamos por afinidade, interesse e naturalidade. Hoje eu sei a importância que esta exposição tem e consigo também enxergar o legado que cada um carrega”, diz. Para Saretta, o próprio Aldemir Martins ajudou na formação de muitos artistas presentes na mostra. “A facilidade que ele tinha em espalhar o seu trabalho e a palavra dele se refletem aqui hoje”, completa.

Responsável por ampliar os horizontes artísticos do MASP, o curador geral da instituição, Teixeira Coelho, ao lado de seus conselheiros, apostou que arte contemporânea inspirada nas ruas caberia perfeitamente no projeto de reestruturação do Museu, que busca diversificar a programação e atrair novos públicos. Para ele, a arte contemporânea tradicional já pode ser chamada de arte contemporânea conservadora.
“Visitei um colecionador de arte contemporânea tradicional e percebi estava presente na coleção um dos artistas que está aqui na mostra. Chamou-me atenção a qualidade e força das obras. Eu não conhecia esse artista e fiquei atento a essa questão, que é uma derivação da primeira arte de rua, de existência autônoma”, diz Coelho. Os curadores e artistas sabem que há certo teor de risco na aposta de Teixeira. “Ele estava procurando algo inovador, mas que tivesse base e fundamento. Ele apostou, mas sabe também que é um bom apostador e não costuma perder”, diz Mariana.

Apesar da crescente ascensão, não são só glórias que se destacam no histórico da Choque Cultural. Muitos devem lembrar do episódio da pichação que ocorreu em setembro de 2008. Ato semelhante ao ocorrido com a Bienal de São Paulo e com a Faculdade de Belas Artes, ambos no mesmo ano. Ao invadirem a galeria, pichadores danificaram obras expostas na parede, como as do artista pop inglês Gerald Laing e do brasileiro Daniel Melim, que participa da exposição no MASP. “Foi triste e não foi uma busca por espaço, porque o espaço não é uma entidade que tem opinião. A própria rua é um lugar para se mostrar e que hoje é usada com maestria por muita gente”, diz Baixo.

“A gente tentou ser o mais discreto possível. Mas já viu criança mal educada? Isso é coisa de gente que não tem educação para saber se posicionar. Por outro lado, ficamos até um pouco honrados, porque picharam a Bienal e nós, que não temos nenhum apoio grandioso”, completa Mariana. O episódio gerou discussão e colocou em pauta exatamente a definição de grafite. Um artista que também não se intitula grafiteiro, mas que trabalha e se inspira nas ruas, comenta o acontecido. “Acho que naquele momento, eles caíram em contradição e mexeram num vespeiro. Porque grafite é vandalismo das ruas, feito por pessoas que querem se expressar. Acredito que mudaram a opinião depois da pichação. Mas todo mundo quer saber mais sobre o estilo e eles estão com uma proposta”, diz.

Proposta esta que já foi aceita nas ruas e galerias e agora vem sido também aceita por museólogos. O que prova a força de uma estética cada vez mais bem elaborada e com artistas de talento inquestionável. Para Baixo Ribeiro, é uma transformação necessária e gradual. “A gente adora o sistema. Se não entrarmos e não trabalharmos com ele, não conseguimos transformar o que está errado”.
*publicada originalmente em CartaCapital nº 573
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

outro negro


Na década de 1910, em Alagoas, o alemão José Gosch (Odilon Wagner) realiza estudos que comprovam a existência de petróleo na região e investe em uma companhia independente. Prestes a realizar a primeira perfuração, morre sob circunstancias misteriosas. O enredo de Ouro Negro, que estreia dia 11, é em parte inspirado em fatos reais narra histórias pouco conhecidas de quem foi responsável pelos primórdios da extração de petróleo no Brasil.


Concentra-se, sobretudo, em personagens fictícios que representam de certa maneira o ideal da época. É o caso de João Martins, afilhado de Gosch, interpretado por Danton Melo. Num salto na linha do tempo, sua figura reflete parte da ambição de pessoas reais, como o escritor Monteiro Lobato ou do engenheiro Manoel Bastos.


Dirigido por Isa Albuquerque, o longa-metragem é um pouco didático e soa panfletário, sobretudo nas últimas cenas. A diretora, porém, costuma advertir que o lançamento do projeto nos tempos em que o país volta a discutir o petróleo e o pré-sal não passa de coincidência.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Tokyo!



Três histórias fantasiosas formam Tokyo!, um longa-metragem em forma de rapsódia, produzido a seis mãos pelos diretores franceses Michel Gondry e Leos Carax junto ao coreano Joon-ho Bong.



A cidade é a fonte inspiradora para uma mistura ficcional que não teria sentido caso presente em outra metrópole, já que em Tóquio tudo parece possível. Michel Gondry, reconhecido diretor de videoclipes malucos e de longas como Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e Rebobine, Por Favor, apresenta Interior Design, a história de um jovem casal, recém chegado à cidade. Quando a garota percebe sua dificuldade de adaptação, começa a sofrer uma radical transformação que lhe dará sentido a vida.



Em Marde, de Leos Carax, uma estranha criatura humana destruidora sai dos esgotos da cidade, mas sua captura leva todos a um debate em torno de sua pena. Por fim, Shaking Tokyo, de Joon-ho Bong, diretor de longas de terror como O Hospeiro. Nesta última narrativa, conhecemos a vida de um hikikomori, pessoa que opta pelo total isolamento social, que mora sozinho há dez anos, sem sair de casa.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

entre a luz e a sombra




Em 160 minutos de duração, o documentário Entre a Luz e a Sombra caminha por diferentes histórias, que estão conectadas entre si. Entre os anos 2000 e 2007, a diretora Luciana Burlamaqui acompanhou a vida da atriz Sophia Bisilliat, que desde a década de 1980 dava aula de teatro aos detentos do Carandiru e buscava talentos escondidos dentro das celas do complexo.



Foi assim que conheceu Dexter e Afro-X, integrantes da dupla de rap 509-E, famosa por ter conseguido autorização judicial para realizar shows fora da cadeira. Essas duas trajetórias se unificam quando Sophia e Dexter começam um relacionamento e ela passa a ser empresária da banda. Quando o casal rompe, começa também mais uma narrativa dentro do filme, onde ficam claras pequenas disputas pessoais, entre o casal e também entre os membros da banda.



A mescla de tantas histórias, filmadas ao longo de sete anos, pode deixar Entre a Luz e a Sombra parecer um tanto sem rumo. Mas o documentário se desenrola de maneira interessante não só por mostrar os regimentos internos do Carandiru, já amplamente explorados em outros longas, mas por dar voz a homens e mulheres que lutam, de diferentes formas, pela reintegração a sociedade.



Amigos de infância, Dexter e Afro-X já não formam mais o 509-E, que terminou pouco depois de Afro-X conseguir liberdade, em 2003, mas ambos continuam como forças ativas dentro do cenário hip hop brasileiro, sendo por meio da música ou ações sociais.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009

do começo ao fim



Muito se falou na internet sobre o longa-metragem Do Começo ao Fim, de Aluízio Abranches, devido a junção de temas polêmicos em seu argumento. Mas sua estreia, realizada no último dia 27, pode decepcionar. Dois irmãos, de pais diferentes, crescem juntos e nutrem um amor fraternal exagerado.

O resultado desta relação homossexual e incestuosa teria rendido um filme de intrigas, discussões e preconceito. Ao contrário, a história de amor de Francisco e Thomas (João Gabriel Vasconcelos e Rafael Cardoso) é forrada de clichês românticos, zero dramaticidade e uma perseguição pela naturalidade que chega a incomodar.

A mãe dos garotos (Julia Lemmertz) é alertada pelos pais, interpretados por Fabio Assunção e Jean-Pierre Noher, sobre a relação dos filhos. Sem querer interferir, age com singeleza, assim como todos em volta dos garotos. A construção de uma relação polêmica onde não existe nenhuma dificuldade soa falsa. E, apesar da beleza dos meninos, algumas cenas de nudez fora de contexto chegam a constranger.