quinta-feira, 27 de março de 2008

luz, camêra e hits


A junção de dois grandes nomes anunciados no cartaz chama atenção para o projeto grandioso. Não é para menos. Dirigido por Martin Scorsese, The Rolling Stones - Shine a Light é um documentário-show, com estréia mundial na sexta-feira 4 de abril.

O longa-metragem foi filmado em 2006, durante a turnê A Bigger Bang, a mesma que reuniu mais de um milhão de pessoas na praia de Copacabana, no Rio. Mas o registro de Scorsese aconteceu em clima mais íntimo, no Beacon Theater, em Nova Iorque, espaço pequeno forrado por câmeras e luzes que quase “derreteram” os Stones.

As divergências de opinião, no estilo “quem manda mais”, aparecem logo no início do filme, quando há uma pequena e divertida disputa de poder entre banda e diretor. Os Stones, de propósito ou não, insistem em não divulgar as músicas que tocarão ao longo da noite. Scorsese fica nervoso, pois precisa organizar a complexa filmagem. O set list só chega às suas mãos minutos antes do show começar.

Quando as luzes se acendem e os primeiros acordes de Jumping Jack Flash soam, somos transportados a uma outra atmosfera. As poltronas do cinema parecem pequenas para tamanho impacto. É como se estivéssemos, de fato, frente a frente com os músicos. Não é difícil imaginar cabeças e pés de espectadores balançando ao ritmo de hits como Just My Imagination, As Tears Go By, I'm free e (I can get no) Satisfaction.

Rotular os Stones como a maior banda de rock de todos os tempos ainda causa controvérsias. Mas é impossível negar sua importância como um ícone musical que atravessou mais de quatro gerações e, até hoje, lota estádios, teatros e, provavelmente agora, os cinemas. Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts, todos na faixa dos 60 anos e com uma energia impressionante, são a personificação do rock’ n' roll way of life. Se no passado ficaram conhecidos por serem atrevidos, viciados e provocadores, hoje estão mais para pais e avós centrados, que não perderam o prazer na música e na irreverência.

Entre dezenas de canções, Scorsese inseriu trechos de antigas entrevistas, fazendo um panorama da carreira dos músicos britânicos. Em uma das passagens, um repórter pergunta ao jovem Jagger se ele se vê cantando aos 60 anos. A resposta vem fácil: “Certamente”. O show documentado traz as participações de Christina Aguilera, escolha um tanto duvidosa, Jack White, talentoso guitarrista e vocalista das bandas White Stripes e Raconteurs, e Buddy Guy, numa performance emocionante da clássica Champagne and Reefer, de Muddy Waters.

Scorsese, que já filmou a história de Bob Dylan e dirigiu uma monumental série sobre blues, parece encontrar na realidade da música um refúgio para a dureza de suas ficções.


beacon theater bombando


nunca vi o Jack White tão sorridente


sessentões
terça-feira, 25 de março de 2008

thomas sangster para tintim?

Como assim?
Corre a notícia por aí que o garoto Thomas Sangster foi escalado para interpretar o Tintim na trilogia que está sendo preparada por Steven Spielberg e Peter Jackson. Mas ele não é só um menino? Tudo bem que o Tintim é novo, mas também não precisa exagerar, ? A não ser que ele tenha crescido, tipo o Walt do Lost... :)

Já está confirmado também que Andy Serkis (que deu vida ao Smeagol no Senhor dos Anéis) fará o capitão Haddock. Não sei mas, como fã, estou meio indignada com essas escolhas... E mantenho meu pé atrás com Spielberg e Jackson. Se eles arruinarem essa história, como fizeram com outras, eu desisto!
quarta-feira, 19 de março de 2008

diferentes maneiras de falar a verdade



Super aguardado no circuito de mostras em São Paulo, Rio e Brasília começa, na quarta-feira 26, o festival internacional de documentários É Tudo Verdade, que esse ano estende sua vasta programação para as cidades de Recife, Bauru (SP) e Caxias do Sul (RS).

Amir Labaki, crítico e diretor do festival me disse que, quando o assunto é documentários, duas tendências correm em paralelo pelo mundo. A primeira, focada na popularização do estilo, tenta seduzir o público trazendo às histórias reais características típicas de filmes de ficção, como a narrativa ou o humor. A outra vertente, que segue em direção oposta, tenta fortalecer o documentário como gênero artístico autônomo, firmado em uma linguagem própria.

O legal do É Tudo Verdade, é que há espaço para ambos. Além de fazerem parte das já tradicionais competições nacional e internacional, os 137 títulos que serão apresentados também se dividem em seções como Vidas Brasileiras, Foco Latino-Americano e Projeções Especiais. Há espaço também para as retrospectivas, como o ciclo Dez documentários que mudaram o mundo, um panorama que varia de “Tiros em Columbine” (Michael Moore, 2002), ao clássico “O Triunfo da Vontade”, (Leni Riefenstahl, 1936).

Em sua décima terceira edição, o festival homenageia os cineastas Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni com a projeção dos respectivos “O Rosto de Karin”, de 1986, e “O Olhar de Michelangelo”, de 2004. Labaki ressalta a importância dos dezoito filmes inéditos brasileiros como um “conjunto especialmente interessante de cinebiografias”. Stranded, do uruguaio Gonzalo Arijón, vencedor do Festival de Armterdã de 2007, e Sem Fim à Vista, que concorreu ao Oscar da categoria desse ano, foram escolhidos para abrir a mostra e também merecem destaque.

Ainda tem mesas de debates, a coluna do Amir no Valor, o programa do festival no Canal Brasil, um monte de coisas!! Pra saber de tudo é só entrar no site do festival.

axé da gringa

Dos trios elétricos da Bahia aos carros alegóricos do Rio de Janeiro, Fred Góes sempre apreciou o carnaval brasileiro. Nascido em um domingo de folia, o professor doutor da Faculdade de Letras da UFRJ lança agora o seu terceiro livro dedicado à manifestação popular, dessa vez fora do Brasil. O objeto de estudo é o Mardi Gras, ou Terça-feira Gorda, de New Orleans, um dos carnavais mais famosos do mundo (que eu morro de vontade de conhecer!)

O resultado de um ano de pesquisa está em Antes do Furacão: o Mardi Gras de um folião brasileiro em New Orleans, lançado esse mês pela editora Língua Geral (152 págs, R$ 33), onde o autor conta suas impressões do carnaval americano não só como pesquisador, mas também como turista, e por que não dizer, folião. O texto leve e em primeira pessoa, nos ajuda a entender os costumes e tradições de uma cidade, que antes de ser devastada pelo furacão Katrina, era conhecida por ser alegre e jazzística.

O descaso do governo americano com a situação que alarmou a cidade chegava a dar raiva na época. E depois de tudo parecia, a mim aqui de longe, que parte daquela magia tinha sido perdida. Algo me dizia que ela não estava mais ali no ar... Mas depois de ver o ensaio (de 60 páginas!) do Bruce Weber na revista W, percebi que a aura permanece. Talvez ainda um pouco machucada, mas viva.

Voltando ao livro... ele também faz comparações e proximidades com o carnaval brasileiro do Rio de Janeiro, além de um caderno com registros fotográficos de Graça Coutinho. Por fim, Góes conclui de que a cidade de New Orleans é muito mais parecida com as cidades da Bahia, do que com qualquer outro estado dos Estados Unidos. Para ele, o calor humano, o tempero apimentado, a ginga dos afro-descendentes e a energia em comum são coisas que só a palavra “axé” é capaz de exprimir.
quinta-feira, 13 de março de 2008

decifrando cem mil



Durante a passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, em junho de 1968, o fotógrafo Evandro Teixeira registrou uma das cenas mais marcantes da ditadura militar. Em meio a centenas de pessoas, a faixa “abaixo à ditadura, povo no poder” se mistura ao mar de gente que tomou conta da Cinelândia em protesto pacífico.

Apesar da distância e da quantidade de pessoas, é possível ver nitidamente o rosto de muitas delas, o que levou Evandro a iniciar o projeto “68: Destinos. Passeata dos 100 Mil”, agora transformado em livro (Textual, 120 págs, R$ 98). Cem homens e mulheres identificados na antológica imagem voltam a ser fotografados pelas lentes de Teixeira e contam suas histórias, quarenta anos depois do clique original. Há, por exemplo, as histórias de casais que, sem se conhecer na época, encontraram-se em lados opostos da fotografia.

“Quando começamos, achei que não fosse aparecer ninguém. Com o tempo, fizemos anúncios, site e ganhamos patrocínio. As pessoas começaram a surgir”, conta Evandro. “Foi no boca-a-boca mesmo. Até hoje, muitos se vêem na foto e entram em contato. Já temos um total de 170 pessoas identificadas”. Além dos depoimentos anônimos, o livro reúne textos de Vladimir Palmeira, na época presidente da UME, Fernando Gabeira, Augusto Nunes e outros.

lá do rio - parte II



Antigas esculturas de madeira da Indonésia, pinturas contemporâneas da Amazônia, fotografias da selva peruana. Tudo no mesmo lugar?

O diálogo pode parecer improvável, mas faz sentido na mostra Os Trópicos – Visões a Partir do Centro do Globo, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. A mistura de esculturas, instalações, vídeos, fotografias e pinturas faz um apanhado da produção artística dos continentes tropicais, como África, Ásia, Américas e Oceania.

Grandes esculturas de bronze tailandesas, como a cabeça de Buda do século 15 (acima) e as telas do catarinense Walmor Corrêa, que reinventa figuras do folclore amazonense, merecem destaque. A exposição integra o calendário da Kulturfest, evento promovido pela embaixada alemã em todo o mundo, e reúne cerca de 130 obras pertencentes ao acervo do Museu Etnológico de Berlim e aqui organizadas pelo curador Alfons Hug.

Pra quem não estiver no Rio, dá pra ver uma boa parte da exposição pelo site da Kulturfest. Lá também tem a programação toda do festival, que começou no ano passado e ainda tem um monte de atrações programadas pra esse ano.


Gosto bastante dessas interpretações surreais do Walmor Corrêa. Essa tela é a "Ondina", de 2005.

lá do rio



A Academia Brasileira de Letras (ABL), em parceria com o Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, abriga durante os próximos dois meses a exposição Alfonso Reyes: o caminho entre a vida e a ficção, em homenagem ao escritor mexicano. Durante sua estada no Brasil, entre 1930 e 1935 e, posteriormente, entre 1938 e1939, Reyes aproximou-se de artistas e intelectuais brasileiros, realizou conferências e lançou vários volumes de prosa e poesia, chegando a ocupar uma cadeira na ABL, em 1934.

A mostra reúne 18 manuscritos e documentos, 26 livros, material audiovisual e dezenas de fotografias, como as que mostram o escritor na embaixada mexicana ao lado da família, em 1931 (acima). A mostrará seguirá em maio para São Paulo e, em julho, aporta em Brasília.


Alfonso Reyes com Paul Morand, Murilo Mendes e os irmãos Cícero e Manuel Dias. Barra de Tijuca, Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1931
terça-feira, 11 de março de 2008

a dor de kahlo



Sim, estamos longe, mas o registro é válido.

A partir desse mês o Philadelphia Museum of Art recebe parte da obra da artista mexicana Frida Kahlo, além de centenas de fotografias que ajudam a contar a história dessa sofredora das artes. Frida era intensa. Não sofria como nós, simples mortais. Sofria em dobro, em triplo. Amava também. Sempre em proporções maiores que o resto de todos.

Depois de um acidente de carro que quase a levou a morte, Frida passou por mais de 30 intervenções cirúrgicas ao longo da vida, nenhuma delas teve o sucesso esperado. Na tela "Coluna Quebrada", de 1944, ela se mostra espetada por pequenos pregos, com o corpo cortado ao meio, envolto em um colete branco, rosto cheio de lágrimas. Um exagero, mas não quando falamos de Frida.

Sua arte foi pouco admirada na primeira metade do século passado. Só depois, com a ascensão do feminismo e da liberdade sexual ela passou a ser melhor compreendida. Já era um pouco tarde, ela não saboreou em vida o sucesso. Em 54, foi encontrada morta e, ainda hoje, há dúvidas. Holland Cotter, do NY Times, fala que por meio de suas pinturas, conseguimos viajar por sua vida, "um caminho iluminado de grandes emoções e, ao mesmo tempo, uma Via Crucis de dor física, paixão e amor".

Lá em cima: "Eu e meus papagaios" (1941)


Frida (à esquerda de terno) posa com a família em 1926


A dor em "Coluna Quebrada", de 1944


No atelier, sem data
sexta-feira, 7 de março de 2008

três destinos e algumas cartas


A relação entre artistas japoneses Tsuguharu Foujita e Tadashi Kaminagai e o nipo-brasileiro Jorge Mori é ampla e bem explicada na exposição Um Círculo de Ligações, em cartaz no CCBB, em São Paulo, a partir do dia 11. O enredo tem um quê da Quadrilha de Drummond.

Foujita desembarcou no Brasil em 1931, onde ficaria por quatro meses antes de partir em viagem à América Latina. Sem falar uma palavra em português, fez amizade com Cândido Portinari e expôs sua obra, composta de vários retratos, nas grandes capitais.

Kaminagai, autor de exuberantes paisagens, surge na história dez anos depois. Com uma carta de recomendações Quando seu contemporâneo Kaminagai chegou ao país, dez anos depois, trouxe uma carta de recomendação escrita por Foujita para Portinari, também ele aporta por aqui e fica amigo do famoso pintor brasileiro. O ciclo se fecha quando Kaminagai conhece Jorge Mori, o menino prodígio que, aos 14 anos, pintava como gente grande. “Mori pintava como se fosse um adulto da família artística paulista, da geração dos anos 40. Surpreendeu os críticos, todos se surpreendem com Mori, até hoje”, diz Aracy Amaral, curadora geral da mostra (irmã mais nova de Tarsila).

Entra então em cena outra carta. Quando Mori decidiu estudar em Paris, em 1952, Kaminagai escreveu para Foujita recomendando o jovem. São essas três vidas e pinturas entrelaçadas que Aracy recompôs em cerca de 80 obras e 50 documentos que ajudam o visitante a entender essa estreita relação entre os artistas e suas ligações com o Brasil.

Parte das comemorações em torno do centenário da imigração japonesa no Brasil, a mostra fica em cartaz até 1 de junho e tem entrada franca.

A paisagem linda que abre o post é do Kaminagai e se chama "Ano Novo em São Paulo" (1942)


Acima, auto retrato de Kaminagai, de 1933. As mesmas pinceladas...


Acima, "As Três Gerações" de Foujita (1932)


Menino-prodígio Mori tinha 12 anos quando fez esse auto-retrato, em 1944

viva as séries

Não é de hoje que filófosos contemporâneos usam programas de tevê para exemplificar a teoria de grandes pensadores. A fonte preferida são os seriados americanos, onde todo o tipo de gente se mistura.

No recém lançado Tudo que Sei Aprendi com a TV (Ediouro, 224 págs, R$ 34,90) o inglês Mark Rowlands, professor da Universidade de Miami, escolhe suas séries preferidas e desenvolve suas relações com Aristóteles, Epicuro, Platão e outros. De maneira prática e até engraçada, Rowlands explica a idéia de justiça segundo Sócrates por meio do personagem Jack Bauer, protagonista de 24 horas - também conhecido como o Macgyver dos anos 00. A relação de Mônica e Chandler, casal de amigos que viram namorados em Friends, recebe uma análise shopenhaueriana.

Os sucessos Família Soprano, Sex and The City, Seinfeld, e outros, também estão entre os escolhidos do autor. Vale lembrar que as séries e seus personagens não são o tema principal do livro, mas servem apenas como pano de fundo para ajudar o leitor a entender filosofia.

star wars brasil

Fãs de Star Wars, preparem-se! Mais de 200 itens utilizados durante as filmagens da maior saga galática do cinema estão reunidos primeira vez no Brasil na exposição Star Wars, realizada no Porão das Artes, no Parque Ibirapuera de São Paulo, desde o dia 5.

A mostra apresenta a seus visitantes naves em tamanho real – como o caça Jedi usado no Episódio III - maquetes de cenários e armas. A famosa dupla de robôs C-3PO e R2D2, os figurinos original de Darth Vader e Padmé Amídala e a Sala Imperial são alguns dos maiores destaques. Mestre Yoda comparece em projeção virtual. O preço das entradas varia entre R$ 15 e R$ 40.

A formação de grandes filas já é esperada, e por isso, a organização decidiu fazer visitas com hora marcada. Portanto, empunhem seus sabres de luz e que a força esteja com vocês!
sábado, 1 de março de 2008

historietas

O tradutor Mamede Mustafa Jarouche, responsável pelas belas edições do Livro das Mil e Uma Noites, continua abordando o amplo universo das anedotas árabes em seu novo Histórias para Ler Sem Pressa (Globo, 80 págs, R$ 25), ilustrado por Andrés Sandoval. Como o título da compilação sugere, os pequenos contos traduzidos direto do árabe para o português são aperitivos, para serem lidos tranqüilamente. E, apesar do calor dos desertos que povoam as páginas, um convite à sombra e água fresca.

De origem libanesa, o professor aprendeu a conviver com a língua árabe em casa, mas passou a entender sua plenitude quando viveu no Oriente Médio. Hoje, suas traduções são sinônimo de excelência. Conversei com ele para a cartacapital e ele me contou um pouco de seu garimpo e tradução de belas histórias.


CartaCapital: Como foi feito o projeto e o garimpo de histórias para esse novo projeto?
Mamede Mustafa Jarouche: A idéia surgiu de um projeto acadêmico. A principio preparei uma antologia bilíngüe de textos em árabe, com a tradução em português e comentários gramaticais e históricos. No molde das antigas antologias arabistas da Europa. O projeto ficou parado, acabei perdendo computador onde tinha reservado o material e fiquei só com um exemplar que não dava para aproveitar muito. Até que o Joacir Furtado, meu amigo da USP e hoje da Editora Globo, teve a idéia de publicar só a parte em português. Então me comprometi a retocar e ampliar as traduções. Separei apenas textos que formavam uma narrativa, de caráter leve e anedótico. Mesmo quando são históricas, tem uma linha de leveza. É um livro pequeno, mas completado pelo o trabalho do desenhista Andrés Sandoval.

CC: A Avareza está presente em muitos textos. É uma característica dessas histórias?
MMJ: Alguém já comentou comigo que ficou espantado com a quantidade de histórias sobre avareza. Mas é porque usei bastante um livro chamado Os Avaros, do século IX, que contava histórias de pessoas avarentas, e como tem! A natureza é hostil no Oriente Médio, certamente a avareza é um dos defeitos mais criticáveis e increpáveis. Em um meio onde a carência prepondera com muita intensidade, o fato de dar um copo d’água muitas vezes é um gesto de grande generosidade. As histórias, conforme a própria retórica árabe antiga dizia, são lições para quem reflete. Ou seja, são textos que estão abertos à interpretação e que podem ser aplicados diretamente em um contexto diário.

CC: Alguns contos são bem subjetivos. Cabe a cada leitor fazer sua interpretação?
MMJ: Sim, existem duas vertentes: os textos que falam da interpretação, de como interpretar o mundo e seus fatos. Outros textos ridicularizam a interpretação, como a história em que o ignorante fala com o rei (Conversando por Sinais narra a falha de comunicação entre um homem simples e um rei, onde cada um interpreta a conversa de maneira antagônica). É um texto anedótico que mostra a hiper-interpretação, e subliminarmente, sua ridicularização porque são diametralmente opostas. O mesmo gesto é lido de uma maneira por um, e de outra maneira por outro. Em outros textos é feito elogios sobre as possibilidades de interpretação que o mundo nos dá. Sempre o que está em foco é a interpretação, a alegoria.

CC: A seleção dos contos é uma tarefa difícil?
MMJ: Não é tão difícil reunir esses pequenos textos, é uma tradição está presente em qualquer obra antiga. O tempo todo os autores ilustram uma explanação com uma historieta, ou mesmo, elas servem como uma quebra para um tema árido. É como se isso fizesse o leitor espairecer um pouco. Elas existem em abundância, a seleção acaba sendo aleatória.

CC: O Livro das Mil e Uma Noites continua?
MMJ: Sim. Lançamos o terceiro volume em dezembro e estou trabalhando no quarto. Foi um trabalho bem recebido, muito comentado. O mundo árabe está em evidência e isso faz com que as pessoas se interessem e leiam mais a respeito. Esse é um típico exemplo do imaginário árabe, um clássico também na cultura ocidental. São contos bem mais longos, com ramificações. Eu me orgulho muito desse trabalho porque não é algo que já tenha sido feito, algumas das histórias nunca foram traduzidas para nenhuma língua ocidental. Tinha pensado em cinco volumes, mas penso que não serão menos que sete.

CC: O árabe falado em casa, pelas famílias tradicionais, é diferente?
MMJ: O árabe é uma língua cujo padrão escrito é muito diferente do padrão falado. O árabe escrito é o mesmo do Marrocos ao Iraque, mas o falado tem uma diferença mais acentuada. Mais até do que o português de Brasil e o de Portugal. Em 81, quando ganhei uma bolsa para Arábia Saudita e aprendi o árabe escrito, tive noções das diferenças. De casa, trazemos a pronúncia.

CC: Como você começou a trabalhar com tradução?
MMJ: Quando me formei em português na USP, fui estudar fora do Brasil. Trabalhei como tradutor no Iraque, na Líbia, estudei no Egito. Quando voltei comecei a dar aula de árabe própria universidade. Começaram a aparecer pequenos projetos, até que o Joacir Furtado me convenceu a fazer o projeto da tradução das 1001 noites. Praticamente me intimou, aquela coisa que só os amigos podem fazer.

charlie wilson's war



Jogos do Poder é a velha mistura de elementos hollywoodianos que atrai os espectadores aos cinemas. Elenco forrado de estrelas, um quê de comédia e violência e uma história baseada em fatos reais costumam agradar as grandes platéias, e nisso o filme cumpre seu papel.

Personagem central da trama, o congressista americano Charlie Wilson, vivido por Tom Hanks, é um bom vivant que não nega favores, mas também não esquece de os pedir de volta. Influenciado pela amiga Joanne Herring (Julia Roberts), socialite direitista destinada a ajudar os menos favorecidos, Charlie se envolve com os guerilheiros afegãos, e em plena Guerra Fria decide secretamente arrecadar dinheiro para ajudá-los a derrotar os russos.

O time de estrelas é completado por Philip Seymour Hoffman que, no papel de agente da CIA, descendente de gregos e mal humorado, nos presenteia com mais uma bela interpretação, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante. O filme, dirigido por Mike Nichols, assume um tom critico quando mostra que, apesar dos esforços de Charlie Wilson - que durante a guerra conseguiu arrecadar 1 milhão de dólares para ajudar os mujahedeen - poucos americanos ofereceram ajuda ao Afeganistão no pós-guerra. Situação que chega aos dias de hoje, como bem sabemos.