sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Joseph Beuys

JOSEPH BEUYS – A REVOLUÇÃO SOMOS NÓS
SESC Pompeia, São Paulo
Até 28 de novembro

Morto em 1986, o artista alemão Joseph Beuys usou sua obra para disseminar conceitos e manter diálogo com a sociedade sobre assuntos que transitavam entre a arte e a política. O artista usava cartazes, fotografias, vídeos, instalações e múltiplos para ampliar as ideias do partido ambientalista alemão, do qual fazia parte, e da Universidade Livre Internacional, instituição de ensino livre fundada por ele com sedes espalhadas pela Europa.

Em São Paulo, a mostra Joseph Beuys – A Revolução Somos Nós traz 250 obras do artista que acreditava na criatividade como maior moeda da sociedade. “Para ele, não se tratava de vender obras de arte em maior quantidade, e sim de dar impulso a uma transformação na arte e na sociedade que, em última instância, se revela política.”, diz o professor Antonio d’Avossa, curador da mostra e colaborador de Beuys na época em que o artista mudou-se para Itália. Como forma de debater o mercado de arte que emergia na década de 1960, o alemão criou séries de múltiplos, objetos que permitiam a reprodutibilidade de até milhares de exemplares e colocava a arte acessível como objeto de desejo particular.

Quarenta destas criações estão na mostra, como Bateria Capri (1985), em que uma lâmpada se alimenta da energia de um limão. Defensor da natureza, Beuys também se utilizava de cartazes para transmitir idéias. Na exposição, uma coleção de 200 deles é exposta pela primeira em sua totalidade. De São Paulo, a mostra segue para o Museu de Arte Moderna da Bahia.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Releituras de Miró

LOS 24 ESCALONES Y JOAN MIRÓ
Museu Nacional da República, Brasília
De 29 de setembro a 25 de novembro


A obra do artista catalão Joan Miró (1893 – 1983) chega ao Brasil com uma proposta de diálogo entre seu legado a produção de novos artistas espanhóis. Na mostra Los 24 Escalones y Joan Miró, em cartaz a partir do dia 29 em Brasília, são apresentadas 18 obras do artista, vindas da Fundação Joan Miró, de Barcelona. Em contrapartida, cinco jovens artistas de lá apresentam suas peças inspiradas na produção do mestre.

O nome da mostra faz alusão ao próprio ambiente da Fundação. Vinte e quatro é o número de degraus que ligam o espaço expositivo ao laboratório Espai 13. É neste laboratório, concebido pelo próprio artista originalmente em 1975, que são realizados e difundidos novos experimentos da arte contemporânea. Como uma espécie de centro de especialização, o espaço aceita propostas e recebe artistas para desenvolvimento de seus primeiros trabalhos.

Javier Arce, Raúl Belinchón, Diana Larrea, Abigail Lazkoz e Juan López formam o grupo que participou de um ciclo de exposições que lembrou os 25 anos de morte de Miró. Para isso, visitaram ambientes particulares do artista na Fundação, onde geralmente os visitantes não tem acesso. Agora, foram selecionados pelo curador Jorge Díez para compor a mostra no Brasil com instalações, vídeos e gravuras que pouco remetem ao surrealismo ou ao dadaísmo, movimentos que inspiraram a obra do artista catalão.
Apesar da proposta de diálogo, é o acervo de Miró que mais chama atenção do visitante. Além das 18 pinturas, litografias e esculturas, filmes e livros complementam a exposição do artista intuitivo que, longe de ser tradicional, criou cenas oníricas e paisagens imaginárias. Simbologias e temas recorrentes em sua trajetória são vistos em obras como Mujer (1969), Personaje en la noche (1974) e Dos aves de presa (1973), expostas em Brasília.
terça-feira, 19 de outubro de 2010

deuses e madonas - no MASP

DEUSES E MADONAS – A ARTE DO SAGRADO
MASP, São Paulo
De 15 de outubro a 16 de janeiro

Retiradas do acervo do Museu de Arte de São Paulo, 40 obras selecionadas pelo curador Teixeira Coelho estão na mostra Deuses e Madonas, em cartaz na instituição até janeiro do ano que vem. No segundo andar do museu, são apresentadas telas de mestres que usufruiram destes personagens que foram alguns dos grandes temas da história da arte.

Em exibição, obras de Sandro Botticelli ( São João Batista Criança, c.1490), Rafael (A Ressureição de Cristo, de 1502), Eugene Delacroix (As quatro estações, c.1856), entre outras. Depois de passar uma temporada no Louvre, onde foi exposta e restaurada, a obra São Jerônimo penitente no deserto, concluída por Andrea Mantegna em 1451, volta ao acervo do MASP e é um dos destaques da mostra. Para o curador, a mostra se foca na representação de deuses e madonas para estabelecer a relação entre o humano e sua visão sobre a vida e o sagrado.

O artista mineiro Eder Santos apresenta sua versão contemporânea para O Julgamento de Páris (1720), de Michelle Rocca. Em sua leitura, encomendada pelo museu especialmente para esta mostra, o público verá a obra em monitores tridimensionais e projetores. O que se forma é uma espécie de remodelação digital da obra, onde os personagens adquirem movimentos.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010

As cores de Alá

De grande impacto visual e pouco difundida no Brasil, a arte islâmica tem ganhado cada vez mais espaço em museus ocidentais. Recentemente, um importante acervo foi adquirido pelo Los Angeles County Museum of Art, dos Estados Unidos. O francês Museu do Louvre prepara-se para abrir em 2011 novas galerias dedicadas a este tema. A cidade de Toronto, no Canadá, vai receber (em 2013) o Museu Aga Khan, inteiro dedicado a preservação da cultura islâmica. Enquanto isso, no Brasil, o Rio de Janeiro recebe uma grande mostra, intitulada Islã, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, entre 12 de outubro e 26 de dezembro. No próximo ano, a exposição segue para São Paulo e Brasília.

Fabricadas a partir do nascimento do mundo mulçumano, no século VII, estas obras vem especialmente de museus da Síria, como os de Damasco e Aleppo, e de países no norte da África. São exibidas no Brasil mais de 300 peças, entre mobiliário e vestuário, além de utensílios para os mais diversos usos, cerâmicas, caligrafias e instrumentos. A maioria delas nunca saiu de seus países de origem e sua vinda é o resultado de uma negociação de quatro anos entre a Síria e o Centro de Pesquisa América do Sul-Países Árabes (BibliASPA). Esta grande exposição proporciona um olhar cuidadoso sobre peças fabricadas ao longo dos últimos treze séculos, que espelham uma maneira diferente de entender e usufruir a arte no Oriente.

“Trata-se de uma exposição sobre a cultura islâmica. É mais uma questão da arte em seu sentido orgânico, diluída na vida cotidiana, resumida em objetos”, diz Rodolfo Athayde, que assina a curadoria da mostra ao lado do Prof. Dr. Paulo Daniel Farah, diretor da BibliASPA. A estes objetos meticulosamente fabricados por artesãos anônimos estão resumidos muitos dos conceitos da arte islâmica, que se baseia na cultura religiosa para formar padrões decorativos de significados diversos. Os objetos exibidos no Brasil não só estão vinculados a questões religiosas, mas refletem a busca pela aliança entre a praticidade e o requinte. “Há um dito muçulmano que anuncia: ‘Deus é belo e aprecia a beleza’. Isso demonstra que, sob o prisma islâmico, o belo deve ser admirado e almejado em diferentes contextos, não apenas quando retrata aspectos religiosos”, diz Farah.
Ao contrário da prática ocidental – em sua maioria, cristã – pinturas e esculturas figurativas são deixadas de lado, sobretudo em ambientes religiosos, onde a idolatria é contestada. Objetos funcionais de cerâmica, bronze ou vidro são adornados com desenhos padronizados, que geralmente remetem a elementos vegetais ou formas geométricas. A figura humana é pouco explorada, mas ainda aparece em objetos de uso doméstico ou quadros, longe das mesquitas. Alguns dos padrões, como os de flores nas cerâmicas, sofreram influência chinesa. Outros têm resquícios Império Romano Oriental. Esta mistura de referências que atravessam o tempo foi traduzida em uma identidade única, cuja mistura de cores fortes e formas diversas, impressiona pela riqueza de detalhes e ultrapassa questões de credo.


Estes complexos traços padronizados criam uma proposital impressão de repetição e funcionam como uma maneira de lembrar o infinito poder divino. “Os padrões geométricos são parte da busca de uma forma abstrata que remete à perfeição, ao equilíbrio. É o que permite uma idéia abstrata do divino, uma maneira de representá-lo”, diz Athayde. Recheada de detalhes, a exposição oferece ao visitante uma sala onde se pode perceber de que maneira são formados os padrões e como eles se formam geométrica ou organicamente. Tomando o térreo e o primeiro andar do CCBB, a mostra divide-se em partes para apresentar diferentes manifestações cronologicamente. “Os padrões expressam uma percepção que mescla a ideia da unidade de Deus e da inexistência de intermediários na relação com o divino”, completa Farah.

A entrada do edifício dará destaque à padronização da Grande Mesquita dos Omíadas, em Damasco, uma das primeiras obras arquitetônicas islâmicas, decorada ainda sob forte influência bizantina. Neste espaço, será criado um ambiente que remete as construções islâmicas, onde um pátio interno é adornado por um chafariz e azulejos. No segundo andar do CCBB, mais cenografia é apresentada ao visitante. Um portão decorado é a passagem para salas temáticas onde será introduzida parte da cultura mulçumana. Uma linha do tempo percorre dos séculos VII ao XX, mapas e plantas de mesquitas complementam o caráter documental.

As salas que seguem apresentam trabalhos em metal e objetos científicos, como astrolábios, balanças e globos terrestres. Eles remetem e homenageiam nomes da ciência e do pensamento que floresceram durante as dinastias islâmicas, como o filósofo persa Avicena e o andarilho Averroes. Também lembram os matemáticos que introduziram na Europa os algarismos arábicos, o conceito de número zero. “É possível recordar que o navegante Ibn Majid, que acompanhou Vasco da Gama em suas viagens, redigiu em 1489 um manual sobre a arte da navegação”, diz Farah. Em outro ambiente, são apresentadas peças da ourivesaria iraniana e síria, como pares de brincos em forma de animais, pulseiras em formatos orgânicos e moedas de diferentes épocas. Bichos e flores aparecem também em vestuário e objetos de uso diário e surgem como os poucos elementos figurativos desta arte.


Alguns dos destaques da mostra estão associados à caligrafia, considerada hoje a maior das artes islâmicas, enobrecida por sua aproximação com os livros sagrados. A complexa e artística escrita árabe é aqui representada em uma série de versões do Alcorão, alguns escritos sob pele de gazela ou tecidos bordados com fios de ouro, de diferentes épocas. “A interdição à representação de elementos figurativos de seres animados contribuiu para tornar a caligrafia uma arte extremamente refinada a partir da qual se desenvolvem os arabescos. Assim, a caligrafia é uma arte islâmica por excelência”, diz Farah. Nestas páginas, os textos são emoldurados com traços orgânicos e padrões geométricos que lembram os tapetes persas, que também são destacados na mostra em uma sala separada. Outros textos são escritos em direções diferentes, fazendo parecer em uma mesma página uma diversidade de intervenções.

Alguns fragmentos resultam de importantes achados arqueológicos, como uma pequena pedra com inscrições do século VIII, que representa um dos mais antigos testemunhos da língua árabe. A caligrafia ganha destaque também em utensílios de uso doméstico, como pratos e vasilhames, alguns do século XI. Ou ainda em grandes peças arquitetônicas, lapidadas com frases religiosas. A escrita representa unidade e identificação entre o povo islâmico que buscou, desde o princípio, sua implantação intelectual. “Dentro do mundo islâmico existe grande busca pelo conhecimento. Houve empenho em traduzir ao árabe praticamente toda a herança de obras greco-romanas. Eles destacaram e conservaram esta herança por meio de algumas figuras conhecidas, como Averroes, que regatou a teoria aristotélica, antes da retomada pelo mundo ocidental”, diz Athayde.

Hoje, as identidades islâmicas são múltiplas, incorporadas à outras tradições. Predominante no Oriente Médio e em porções da África e da Ásia, o islamismo reúne cerca de 1,5 bilhões de seguidores ao redor do mundo. Esta reunião de peças tão diversas exemplificam o caráter simbólico da arte islâmica, realizada sobre padrões culturais, políticos e religiosos muito claros. Mas também refletem a interação dos mulçumanos com outras culturas e populações de religiões distintas. “O Deus é único, mas sua criação é múltipla”, resume Farah.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010

hoje nos cinemas: contos da era dourada

Dirigido por Ioana Uricaru, Hanno Höffer. Räzvam Márculescu, Constantin Popescu, Cristian Mungiu


Na Romênia comunista, sob o comando de Nicolae Ceauşescu (que durou de 1965 a 1989), se passa Contos da Era Dourada, uma simpática reunião de seis histórias que narram lendas do país em regime. As partes deste longa metragem com quase duas horas e meia de duração ficam a cargo de seis diretores. Um deles é Cristian Mungiu, também roteirista do filme e ganhador da Palma de Ouro em Cannes por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), sobre mesmo período político. As seis histórias independentes se comunicam por mostrarem personagens vivendo sob os efeitos do regime.

Quase surreais, as histórias são permeadas por humor, algumas mais irônicas que outras, e abordam poder, fome e educação. Em uma delas, intitulada A Lenda do Fotógrafo Oficial, um grupo é responsável por manipular as fotos de Ceauşescu antes de serem publicadas. Nelas, ele deve parecer mais alto que seus opositores, ou com chápeu, de acordo com normas estabelecidas pelo regime. O trabalho é feito manualmente pelo fotógrafo e seu assistente, que deixam escapar um detalhe que gera confusão.

Em outro conto, A Lenda dos Vendedores de Ar, um casal de jovens aparentemente influenciados por Bonnie e Clyde começa a colocar em prática um pequeno golpe para saquear garrafas de vidro da vizinhança, que podem ser vendidas por algum dinheiro. Em A Lenda do Policial Ganancioso, um pai de familia encomenda um porco para a ceia de Natal, mas o recebe ainda vivo. Sua luta para matá-lo sem que acorde os vizinhos famintos tem ar tragicômico.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A arte essencial de Leon Ferrari

Aos 90 anos, completados há pouco mais de um mês, o artista argentino León Ferrari permanece em atividade como um dos mais relevantes artistas latino-americanos, conhecido por obras de caráter polêmico e alfabetos estilizados. Nos últimos meses, frequenta pouco seu atelier, em Buenos Aires, mas mantém o viés criativo em novas produções. Algumas delas, que remetem ao abstracionismo e dão ênfase ao desenho já praticado em outras décadas, podem ser vistas na mostra Leon Ferrari – Um artista do seu tempo, realizada pela galeria Arte Aplicada, em São Paulo.

As 35 obras que compõem a exposição mostram um lado mais sereno de Ferrari. São contrárias às polêmicas esculturas e instalações de forte mensagem política. Em folhas de papel de tamanhos diversos, o artista trabalha finas linhas de tinta ou giz de cera que remetem a alfabetos imaginários ou trabalham a repetição de séries contínuas. Produzidas ao longo das últimas quatro décadas, estas obras mantêm unidade e apresentam a firmeza de um traço delicado, ao mesmo tempo, imperativo. “Pela força e criatividade, estas obras de Leon parecem sempre feitas por um jovem e não por um homem hoje com 90 anos”, comenta a curadora da exposição, Sabina de Libman.

Acostumado a lidar com os mais diversos materiais, incluindo orgânicos, Ferrari produziu este ano peças onde substitui a caneta nanquim ou o giz por uma espécie de cola com glitter. Faz assim transparecer um caráter lúdico, ao mesmo tempo em que mantém a ordem de desenhos e texturas utilizadas nas últimas décadas. “Ele tem esse lado suave e carinhoso. Sua outra persona exteriorizada é a da revolta”, diz a curadora.

Esta porção rebelde faz a produção do artista ser plural e articulada. Por um lado, traços detalhados e escritos cuidadosos tomam conta de seus cadernos de anotação, telas e papéis. Ao mesmo tempo, o artista produz algumas das mais importantes obras de apelo político. São da década de 1960 e 1970 seus trabalhos de caráter polêmico, como A Civilização Ocidental e Cristã (1965), onde substitui a cruz de Cristo por um avião de caça das Forças Armadas norte-americanas, sua primeira obra de apelo crítico visível. Nas décadas anteriores, focava-se em paisagens a óleo ou pastel sobre madeira (como Alicia, de 1947) e esculturas de cerâmicas ou madeira. Quando começou o processo de mudança temática, realizou alguns manuscritos sobre a problemática religiosa, mas ainda pouco compreensíveis.

A série Idéias para Infernos foi apresentada em 2000, no Centro Cultural da Espanha, em Buenos Aires. Nela, Ferrari amontoou virgens de gesso no liquidificador e Cristos na torradeira elétrica. Em uma gaiola, pássaros artificiais se posicionavam sobre imagens religiosas. A mesa da última ceia era dividida por imagens tradicionais, ratos e gorilas de plástico. Santos eram alfinetados e posicionados em triturador de carne, frigideiras ou raladores em cenários kitsch. À época da exposição, freiras e crentes se reuniam a porta da galeria para protestar e rezar o rosário. É o que narra a professora Andrea Giunta no livro Leon Ferrari - Uma retrospectiva, lançado pela Cosac Naify no Brasil, como parte da mostra Poéticas e Políticas, realizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2006. “A notícia circulou rapidamente e as vinte mensagens que condenavam a exposição foram respondidas por centenas em sua defesa”, diz Giunta. O artista comemorava que ações como estas colaboravam com a proposta da exibição.

Ferrari não se considera ateu ou anticlerical, mas se declara fascinado pelas figuras bíblicas e pelas interpretações que são feitas dos livros sagrados, muitas vezes controversas. Quando criança, estudou em colégio de padres e fez comunhão. Mais tarde, leu a bíblia exaustivamente e casou-se na igreja com sua grande companheira, Alicia, com quem assina algumas obras. Santos católicos se tornaram personagens de suas peças, onde são hostilizados com grande humor.

A atitude política que permeia sua trajetória foi deixada de lado, paradoxalmente, no período em que viveu exilado Brasil, entre os anos de 1976 e 1983. O artista deixou a Argentina sob ditadura após o exército começar a procurar pelo seu filho Ariel, desaparecido. Temerosos pela segurança da família, ele, a esposa e mais sete irmãos e sobrinhos passaram a morar em São Paulo. Localizada na Alameda Lorena, no bairro do Jardins, a casa do artista e seu atelier coletivo, na rua Amália de Noronha, em Pinheiros, eram pontos de encontro e discussão.

Nesta época, sua produção se mostra mais formal. Não se dedica à arte política, mas foca-se em manuscritos e esculturas metálicas. Algumas dessas peças podem ser vistas na exposição agora em cartaz na galeria Arte Aplicada. Ferrari fez pequenas esculturas de finos arames de ferro soldados que dialogam e se assemelham aos traços feitos a nanquim sobre papel. Também foi influenciado pelos espaços arquitetônicos da cidade e passou a construir peças em grande escala, algumas mostradas na exposição Arte Lúdica, realizada pelo MASP e posteriormente pela Pinacoteca, em 1978. Uma dessas peças, Berimbau, feita com barras de aço sobre vigas de madeira, pertence hoje ao Parque de Esculturas do Jardim da Luz, ligado ao museu do estado.

Com humor, ironia e erotismo, Ferrari destaca valores estéticos, questiona o poder, reverência figuras femininas e dá significado às repetições. Plural, consegue bifurcar sua produção inúmeras vezes, mantendo-se atrelado ao círculo de idéias originais que permeiam toda sua produção. Ao criticar a igreja, as guerras e os sistemas políticos se vale de elementos não artísticos para apontar o dedo nas chagas de nossa cultura. Ao mesmo tempo, se torna sublime e delicado quando desenha caligrafias que passam mensagem alguma e brincam com o cheio e vazio.

Para Giunta, sua trajetória está posicionada em “um território de coexistência entre a cultura erudita e a popular, entre o poético e o político, que ativa o poderoso motor dinamizador de sua obra”. De volta a Buenos Aires desde 1983, Ferrari hoje produz poucas peças que reafirmam a dualidade de sua produção. Se tornou, ao longo dos anos, mais essencial que paradoxal.