*originalmente publicada na revista Go Outside / Agosto 2012
O
sueco Christian Bodegren passou 280 dias atravessando os rios da
América do Sul em um caiaque emprestado
Não
foi por acaso que o sueco Christian Bodegren, de 38 anos, se tornou
um aventureiro. Nascido e criado em uma vila ao sul da Suécia, com
apenas 300 habitantes, cresceu encantado com a ideia de poder
conhecer o que lhe era mostrado nos livros de geografia da escola.
Quando se deu conta, estava viajando o mundo sozinho. Sua primeira
viagem foi ao Egito e à Israel, no começo da década de 1990.
“Estar ali era como pisar em um outro mundo, completamente
diferente da aldeia verde de onde eu vinha. O mundo abriu as portas
para mim e depois disso senti uma interminável necessidade de viver
novas experiências”. Depois passear pela savana africana, subir as
montanhas Grand Paradiso, na Itália, e atravessar o deserto do
Sahara montado em dromedários, em junho deste ano ele completou
outro grande feito. Por nove meses, navegou sozinho em um caiaque
pelos rios da América do Sul, partindo da Venezuela até chegar a
Argentina.
“Li
alguns livros sobre a história dos primeiros homens que atravessaram
o continente pelos rios e fiquei fascinado pela região. O sonho
levou a uma ideia que, por fim, tornou-se realidade”, diz. A
preparação para a viagem durou alguns meses. Depois de estudar a
fundo mapas, costumes, correntezas e coletar informações sobre como
as populações ribeirinhas se transportam, Bodegren escolheu o
caiaque como forma de transporte. Experiente remador, ele costumava
competir na modalidade quando jovem. Em setembro de 2011, chegou ao
ponto de partida de sua jornada, Caracas, na Venezuela.
Ao
chegar lá, porém, teve seus equipamentos perdidos no aeroporto, o
que o fez ter de repensar toda a expedição. Com a ajuda do amigo
Aramis Mateo, proprietário de uma empresa de turismo com caiaque na
Venezuela, conseguiu um antigo modelo, que precisou reformar. Assim
como os navegadores o fazem, batizou a embarcação emprestada assim
que estava pronta. Com o The Green Arrow [a seta verde] partiu pelo
rio Orinoco em direção a parte baixa do continente. Seus dias
passavam entre remadas, cochilos na rede, muitas picadas de mosquitos
e encontros que o marcaram, com animais selvagens ou pessoas que o
ajudaram pelo caminho. Vez ou outra, percebia uma movimentação
estranha, que deduziu fazer parte do tráfego de drogas que rondeia a
região das fronteiras.
“Talvez
eu tenha tido sorte, mas todas as histórias que me contaram sobre
saqueadores pelos rios da Venezuela e Colômbia me parecem como
Eldorado, um mito”, disse em novembro do ano passado em seu diário
on line, atualizado graças a um sistema de satélite ligado ao seu
netbook com bateria solar. O sistema também permitia a parentes e
amigos acompanhar a viagem pela internet. Com GPS integrado ao
caiaque, a rota do remador era atualizada em tempo real. “Eu
imagino o que Antonio Raposo Tavares diria dessa tecnologia”, diz
no mesmo diário, citando o explorador português que percorreu mais
de 10 mil quilômetros pelos rios brasileiros entre 1648 e 1651.
De
fronteira em fronteira, Bodegren passou pelos rios Madeira, Negro,
Amazonas, Paraná. Neste último, encontrou um grupo com cerca de 150
remadores, participantes de um encontro anual de caiaques. Bodegren
os acompanhou em diferentes rotas por dois dias, até dar
continuidade ao seu trajeto rumo a Buenos Aires, pelo Rio De La
Plata. Remar contra corrente durante a temporada de chuva foi sua
maior dificuldade. Apesar disso, depois de 280 dias, chegou a uma
praia na província de Tigre, a cerca de 1 hora da capital argentina,
celebrando com espumante e a bandeira da Suécia.
As
referências a outras viagens e expedições são temas frequentes no
diário do sueco e demonstram o tempo que remador gastou pesquisando
histórias e curiosidades sobre a região. De maneira quase didática,
ele escreve sobre a vida selvagem, os animais que encontra pelo
caminho e até arrisca dar receitas de pratos que inventa, como o
sushi de piranha (que na verdade está mais para ceviche). Entre um
desabafo e outro sobre os caminhos que percorre, o aventureiro conta
pequenas histórias de outros exploradores e de pessoas que encontrou
pelo caminho – entre elas, um casal de brasileiros que o hospedou
durante o Natal, moradores de uma comunidade ribeirinha próxima ao
Rio Madeira. “Conhecer pessoas e lidar com as diferenças são as
coisas mais interessantes de toda viagem”, diz, frisando que não
encontra problema em viajar sozinho, “exceto pela vontade de
dividir a aventura com alguém”.
Quando
estava viajando pelo Sahara, atravessando o deserto de leste à oeste
entre 2009 e 2010, o sueco aprendeu que para se fazer uma expedição
é necessário também se preocupar com algumas burocracias e
costumes locais. Viajando com quatro dromedários, ele teve que
vendê-los em uma parte do caminho, pois não conseguiria atravessar
com eles a fronteira entre a Líbia e a Algeria. O que ele não sabia
é que a venda dos animais é proibida em toda região, o que fez ser
condenado pela Tunísia a ficar cinco anos sem retornar. “Eu
provavelmente sou o único sueco a ter cometido um crime como esse em
toda história. Prometi a mim mesmo que não iria vender nenhum
dromedário na Venezuela”, brinca.
Mal
retornou ao seu país, Bodegren já pensa em planejar sua próxima
viagem, apesar de não saber qual seria seu destino. Sua condição é
que seja em um local completamente diferente de qualquer um que já
tenha ido, com condições climáticas e culturais diversas. “Tudo
depende do trabalho, do dinheiro e da democracia”, diz. Atualmente
morando na Noruega, ele trabalha como colocador de andaimes em
plataformas de petróleo em alto mar. O que também é uma aventura,
já que, para estar apto a trabalhar, teve que passar por uma série
de testes e treinamentos específicos, incluindo evacuação de
helicóptero embaixo d'agua. “Me pergunto quantas toneladas de
andaimes tive que organizar para poder pagar minhas aventuras. Não
tenho ideia e também prefiro nem pensar nisso”.
Quando
está de folga, volta a Suécia e junta dinheiro trabalhando em casa
como carpinteiro. Sua vida se resume, basicamente, a trabalhar para
viajar. “Quando volto pra casa, fico sonhando com novas aventuras,
em ter uma vida onde eu sempre esteja em algum lugar. Provavelmente,
sempre será assim, já é parte de mim”, diz. Para o remador, a
sensação de voltar a casa é confortante, mas é misturada a certa
tristeza. Bodegren diz nascer um sentimento muito especial naqueles
que se dedicam a passar tanto tempo na natureza. “É uma sensação
poderosa de liberdade. Onde a mente se liberta de toda confusão e
tudo parece muito mais óbvio e claro”.
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