*publicado originalmente na revista Mais nº 21
Espalhados por todo o país, cidadãos comuns mostram como a colaboração experimental pode criar novos modelos para cidades
Por
Camila Alam
A
ideia de gerar cidades mais unidas, bonitas e funcionais tem
mobilizado diferentes grupos em todo país. Ações que vão desde a
pintura de muros até a revitalização de espaços públicos são
maneiras coletivas de tentar humanizar os grandes centros. Por meio
de financiamento coletivo ou iniciativas privadas, uma centena de
projetos se engajam para transformar, ainda que de maneira local, a
realidade de cada um. Criadoras do projeto Cidades Para Pessoas, a
jornalista Natalia Garcia e a artista plástica Juliana Russo
percorreram o mundo em busca de ideias que tenham melhorado a cidades
para seus habitantes. “Percebi que as iniciativas mais
interessantes que vinham de movimentos organizados que, em caráter
experimental, acabaram criando modelos replicáveis para toda a
cidade”, diz Natalia.
Um
desses projetos é o Curativos Urbanos, iniciativa de 6 amigos de São
Paulo, que começou como uma ideia simples se expandiu
voluntariamente para outras cidades do país. Há um ano, o projeto
busca falhas no urbanismo, especialmente buracos e rachaduras nas
ruas e calçadas, e preenche as imperfeições com curativos grandes
e coloridos. A ideia é chamar atenção para os machucados da cidade
com cor e bom humor, além de alertar os distraídos. Não é
exagero. Segundo dados do Hospital das Clínicas de São Paulo, cerca
de 300 acidentes com pedestres são causados por dia devido a má
conservação das vias públicas. Desde 2012, os proprietários de
calçadas mal cuidadas podem ser multados pela prefeitura, mas nem
sempre a fiscalização se estende para áreas públicas. “Gostamos
muito de caminhar pela cidade, descobrir novos lugares, usar praças
e parques nas horas de lazer. Então percebemos como estávamos
descontentes com as calçadas, por não poder ir e vir com cuidado e
segurança”, diz a arquiteta Rafaella Wolf, uma das criadoras do
projeto.
Para
chamar a atenção para os machucados da cidade, o grupo escolheu um
material reciclável e biodegradável, o EVA. Fizeram o molde dos
curativos, espalharam pelos buracos da cidade e pelas redes sociais.
O primeiro curativo guarda uma história simbólica. “Logo após
ser colado, ele foi retirado por uma pessoa que
passava por ali. Alguns metros mais a frente, lá estava o curativo
colocado em um novo buraco. Ela entendeu o recado!”, diz Rafaella.
Por meio das redes sociais, o recado foi espalhado também para
outros lugares do Brasil e a ação chegou em cidades como Ribeirão
Preto, Campinas, Rio de Janeiro, Porto
Alegre, Vitória da Conquista e até Roma, na Itália. O
molde do curativo está disponível na página do grupo e pode ser
feito por qualquer um. Para o coletivo, o rápido compartilhamento da
ação atingiu o objetivo inicial do projeto: fazer a comunidade
pensar no problema.
NO
PONTO
Outro
projeto que se expandiu de maneira grandiosa por meio das redes
sociais é o Que Ônibus passa Aqui?, da produtora gaúcha
Shoot the Shit, especializada em incentivar o engajamento, criação
e financiamento de projetos positivos à sociedade. A ideia é
bastante simples e surgiu de uma deficiência da secretaria de
transporte público de Porto Alegre em não conseguir identificar as
linhas de ônibus da cidade. O grupo espalhou pelos pontos de ônibus
de diferentes bairros um adesivo com pergunta “que ônibus passa
aqui?”. De maneira colaborativa, os passageiros dos pontos
começaram a escrever o nome das linhas, o que se tornou útil não
só para passageiros regulares, mas também para turistas e aqueles
que pouco utilizam o transporte público. Com o sucesso da ação, a
prefeitura resolveu apoiar o projeto financeiramente. “A gente está
cada vez mais próximo da esfera pública. Tentando encontrar formas
de juntar a força do povo com o poder que o governo tem. É na
população que mora informação preciosa para soluções de
problemas da cidade ”, diz Gabriel Medeiros Gomes, um dos
idealizadores.
Hoje,
muitos dos pontos de ônibus da capital gaúcha possuem os adesivos
oficiais da prefeitura. Apesar disso, grande parte da ação se
proliferou de verdade por causa da internet. Com o adesivo disponível
no site, a ação já se espalhou por mais de 20 cidades brasileiras,
mostrando que o problema não é apenas regional. Em Santa Maria,
interior do estado, 70% das paradas de ônibus estão sinalizadas.
“O Que
ônibus passa aqui? deixou
de ser um projeto apenas da Shoot The Shit e virou um projeto
brasileiro. Totalmente autogerido, distribuído, em rede e
horizontal. Sem líderes, sem certo ou errado, sem regras. Apenas um
objetivo, fazer a vida das pessoas melhor”, diz Gabriel.
Fazer
a vida um pouco melhor, ou pelo menos mais colorida, é o mote do
projeto Color+City, idealizado pelos artistas Gabriel Pinheiro e
Victor García, em parceria com o Google e mais um grupo de artistas
voluntários. A ideia da ação é unir as pessoas que desejam pintar
mutos àquelas que tem espaço para oferecer. Assim, um artista pode
se voluntariar a fazer arte em uma parede cedida por outra pessoa."A
ideia toda é deixar a cidade mais bonita, mais alegre. Acredito que
esta é uma maneira bem interessante e inspiradora para engajar e
conectar os donos de espaços urbanos com as pessoas que tem a arte
como ideal de vida. Desta forma, juntamos ambas as partes e
facilitamos este encontro", afirma Pinheiro.
Para
participar, o dono do muro acessa o site e posta uma foto do muro que
deseja ceder. O artista, por sua vez, escolhe a localização que
deseja pintar e tem o direito de reservá-la por um tempo. A parceria
com o Google permitiu a viabilização de um mapa próprio, onde os
muros que estão disponíveis e os muros já pintados podem ser
localizados. Mais de mil paredes já foram disponibilizadas em todo
país e em algumas cidades no exterior. Pouco mais de cem já foram
pintadas e outras centenas estão reservadas. “O principal para
fazer essa ferramenta se consolidar são as pessoas. A gente quer que
elas participem, pintem e contribuam pra uma cidade mais colorida”,
complementa.
No
site do projeto, artistas, jornalistas e apoiadores dão depoimentos
sobre o trabalho. Para um deles, o jornalista Gilberto Dimenstein,
fundador do site Catraca Livre e apoiador do projeto, o Color+City
serve para conectar a cidade. “São Paulo é uma cidade feia, que
as pessoas decidiram embelezar com as próprias mãos. Intuitivamente
ou não, transformaram um medo numa forma de convivência e comunhão.
Então, esse muro que separa passou a ser o muro que integra”, diz.
IDEIA
NA CABEÇA
No
bairro da Vila Madalena, em São Paulo, há um espaço público, bem
escondido, em torno do córrego das corujas. Esta área, preservada
pela prefeitura, mas com pouco recurso além de alguns bancos, foi a
inspiração para moradores do bairro criarem o Projeto Coruja. A
ideia é pensar, de maneira colaborativa, em novas formas de
utilização do espaço público, gerando maior movimento em torno de
um lugar para lazer e convivência. Em meio a reuniões, oficinas,
criações de maquetes e muito debate, o projeto começa a sair do
papel com fôlego dos próprios moradores. “É esse amor coletivo
que vai trazer um pouco mais de vida para este espaço”, diz a
artista gráfica Joana Lira.
Ao
invés de optarem por um grande mutirão, os moradores decidiram
dividir os voluntários em diferentes grupos. Assim, foram criadas
frentes autônomas responsáveis por mobiliário, paisagismo e arte.
“As reuniões teóricas às vezes são difíceis, mas necessárias”,
diz a urbanista Renata Minerbo, uma das participantes do coletivo.
Nelas, são decididos e planejados os próximos passos das ações,
focadas em pequenas e gradativas mudanças, desde a criação de
hortas até decks para descanso e maiores áreas com sombra. “É
um processo muito interessante e vivo. Vamos errando, aprendendo e
ajustando. A ideia é não terminar, mas dar continuidade enquanto
for necessário”, diz Joana. Para Carol Ferrez, uma das
idealizadoras, a ideia funciona para unir a comunidade. “É um
projeto mais sobre pessoas do que sobre o espaço. Todos estamos
precisando nos conectar”.
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