*publicada originalmente na revista Mais nº 20
O
trânsito é um problema para 68% dos paulistanos, mas cada vez mais
moradores querem conhecer a cidade que vai além dos
congestionamentos
Por
Camila Alam
Os
longos congestionamentos na cidade de São Paulo tem feito muitos
cidadãos buscarem alternativas para fugir do trânsito na cidade,
seja utilizando o transporte público, comprando uma bicicleta ou
apostando na caminhada. Segundo pesquisa do Instituto Ipespe, 68% dos
paulistanos apontam o trânsito como o principal problema da cidade e
a frota de veículos na capital já chega a 7 milhões – mais da
metade do número de habitantes. Para Leão Serva, autor do guia Como
Viver em São Paulo Sem Carro (ed. Neutropica), colaborar ou não
para o congestionamento da cidade é uma opção individual. “Ainda
que milhões de pessoas permaneçam sob o signo do congestionamento,
mais e mais adotam saídas individuais para usufruir os benefícios
da redução do trânsito, abandonando total ou parcialmente os
veículos particulares”, diz.
Entre
estas as milhares de pessoas que optam por um cotidiano mais leve em
São Paulo, está Sérgio Kalil, sócio do restaurante Spot, que há
14 anos optou por ser pedestre. Desde então, nunca mais teve um
carro na garagem e faz todos os seus programas a pé, até os
percursos mais longos. “O segredo é calçar um bom tênis e manter
a disposição”, diz. Sergio fez essa escolha quando mudou-se para
o bairro dos Jardins, na zona central de São Paulo. Próximo aos
restaurantes dos quais era sócio na época (além do Spot, ele
também dirigia o Ritz), colocou as contas no papel e abandonou de
vez o trânsito. “Já comprei o apartamento neste local
propositalmente. Não foi coincidência ter vendido o carro no mesmo
dia em que me mudei”. O empresário gosta de ressaltar que, em
termos de tempo, uma caminhada pode equivaler a algumas horas
perdidas em um congestionamento. Começar a perceber a cidade com
outros olhos, já que pelas calçadas podem se esconder lugares que
nem sempre vemos quando passamos de carro, também é outra vantagem.
Apesar
de acostumado, Sergio lembra que também não é fácil ser pedestre
em São Paulo. Calçadas esburacadas, falta de faixas de pedestres e
passarelas podem ser empecilhos. “Uma vez fui andando até o
estádio do Morumbi assistir um jogo. Chegando próximo, não
consegui fazer uma travessia num local sem passarela. Tive que voltar
e pegar um táxi”, comenta, rindo. As caminhadas também
influenciaram Sergio a parar de fumar. “Ano passado fiz 50 anos,
dos quais 30 fumando. Agora, também caminho melhor”. Uma nova
filial de seu Spot será aberta no Shopping JK, cerca de 10
quilômetros de distância da sua casa. O trajeto, garante, será a
pé.
DUAS
RODAS
Conhecer
a cidade por outro ângulo também é um dos argumentos dos
ciclistas, cada vez mais presentes em São Paulo e em outros grandes
centros urbanos. A fotógrafa Pamella Gachido, de 26 anos, decidiu
trocar o carro pela bicicleta há quase um ano. Os custos com a
manutenção do automóvel e algum tempo perdido no trânsito foram
fatores que levaram à escolha, aliados à experiência que viveu
fora do país. Morando em Nova Iorque por um ano, aprendeu por lá a
se locomover de bicicleta. “Minha estadia fora do país me fez
redescobrir São Paulo. Voltei decida a tentar viver sem carro e
percebi que aqui, muitas vezes, o usamos como uma desculpa, por
preguiça mesmo”. Vale lembrar que São Paulo tem hoje 230
quilômetros de estrutura cicloviária, dos quais apenas 60 são
permanentes. Os 40 quilômetros de ciclofaixa funcionam apenas nos
fins de semana e feriados para lazer.
O
trajeto diário de Pamella de casa ao trabalho tem cerca de 10
quilômetros, com muitas subidas e descidas. Por isso, ela optou por
uma bike elétrica com pedal assistido, que a impulsiona nas ladeiras
acima. “A questão geográfica me fez optar por este modelo, já
que não queria chegar muito suada ao trabalho ou virar uma grande
esportista”, diz. Além do pedal assistido, a bicicleta de Pamella
é dobrável, o que a ajuda quando precisa pegar transporte público
ou uma carona por causa da chuva. Hoje, a fotógrafa demora cerca de
20 minutos para atravessar dois bairros. “É claro que há dias
que não dá vontade de pedalar, mas de carro demoraria pelo menos o
dobro do tempo, sem contar os imprevistos. Agora percebi que toda vez
que preciso andar de carro, fico mal humorada”, diz.
É
PÚBLICO
Ter
um carro está fora dos seus planos futuros e assim também pensa o
designer Panais Bouki. Desde que saiu da casa dos pais para morar
sozinho, com 21 anos, decidiu não comprar um automóvel, como a
maioria dos jovens nessa idade costumam fazer. Ao invés disso,
resolveu mudar-se de Interlagos (no extremo Sul da cidade) para o
centro, onde teria fácil acesso a diversos meios de transporte.
Hoje, com 37 anos, mantém sua postura e vê percebe que há um
movimento ao seu redor. “Pelo menos no meu círculo de amizade,
vejo que muitas pessoas estão desistindo do carro”, diz. Panais
trabalha em casa, mas precisa com frequência sair para visitar
agências ou clientes. Usa muito as linhas de metrô que saem do
centro, além dos corredores de ônibus. “Tive a sorte de sempre
trabalhar em lugares próximos a linhas de metrô. Pra mim, a única
desvantagem de não ter um carro é ter que viajar para médias
distâncias”, diz. Quando volta a Interlagos para visitar os pais,
demora cerca de 1 hora e meia de ônibus. Além disso, avalia que
pegar um táxi – vez ou outra – não faz mal a ninguém.
A
jornalista Annamaria Marchesini também pensa assim. Moradora do
centro da cidade, no bairro Santa Cecília, deixou o carro de lado há
cerca de quatro anos e todos os dias vai trabalhar de metrô e trem.
“Além de nunca ter gostado de dirigir, andar de carro começou a
me incomodar. Um dia resolvi experimentar o transporte público e
gostei”. O percurso diário de Annamaria é um pouco longo. São 14
quilômetros da estação de metrô no centro até a agência em que
trabalha, no bairro do Brooklin (zona sul da capital). O trajeto
demora, em média, 40 minutos, mas duraria muito mais se ela usasse
um automóvel. “Uma das maiores vantagens de usar o trem é que sei
exatamente quanto tempo vou demorar para chegar ao trabalho. Por
isso, posso me programar e aproveitar melhor o dia”, diz.
Para
Annamaria, outra maneira eficiente de se transportar por São Paulo é
aderir à boa e velha carona. “É uma ótima maneira de usar
racionalmente o carro em São Paulo. Fico impressionada com a
quantidade de automóveis parados nos congestionamentos e que
transportavam apenas uma pessoa”, diz. Pensando nisso, sites como
Caroneiros, Projeto Carona ou Carona Solidária ajudam a colocar em
contato pessoas que desejam dar ou pedir carona em diferentes partes
do país. O ato de compartilhar, seja as ruas ou o próprio veículo,
tende a ser uma das soluções mais eficazes para melhorar o trânsito
nas grandes capitais. Depois de reunir as dicas daqueles que deixaram
o trânsito de lado, Leão Serva avalia: “Pasmem os viciados em
carro, eles são mais felizes agora”.
0 comentários:
Postar um comentário