quinta-feira, 11 de julho de 2013

viver sem carro

*publicada originalmente na revista Mais  nº 20

O trânsito é um problema para 68% dos paulistanos, mas cada vez mais moradores querem conhecer a cidade que vai além dos congestionamentos

Por Camila Alam

Os longos congestionamentos na cidade de São Paulo tem feito muitos cidadãos buscarem alternativas para fugir do trânsito na cidade, seja utilizando o transporte público, comprando uma bicicleta ou apostando na caminhada. Segundo pesquisa do Instituto Ipespe, 68% dos paulistanos apontam o trânsito como o principal problema da cidade e a frota de veículos na capital já chega a 7 milhões – mais da metade do número de habitantes. Para Leão Serva, autor do guia Como Viver em São Paulo Sem Carro (ed. Neutropica), colaborar ou não para o congestionamento da cidade é uma opção individual. “Ainda que milhões de pessoas permaneçam sob o signo do congestionamento, mais e mais adotam saídas individuais para usufruir os benefícios da redução do trânsito, abandonando total ou parcialmente os veículos particulares”, diz.

Entre estas as milhares de pessoas que optam por um cotidiano mais leve em São Paulo, está Sérgio Kalil, sócio do restaurante Spot, que há 14 anos optou por ser pedestre. Desde então, nunca mais teve um carro na garagem e faz todos os seus programas a pé, até os percursos mais longos. “O segredo é calçar um bom tênis e manter a disposição”, diz. Sergio fez essa escolha quando mudou-se para o bairro dos Jardins, na zona central de São Paulo. Próximo aos restaurantes dos quais era sócio na época (além do Spot, ele também dirigia o Ritz), colocou as contas no papel e abandonou de vez o trânsito. “Já comprei o apartamento neste local propositalmente. Não foi coincidência ter vendido o carro no mesmo dia em que me mudei”. O empresário gosta de ressaltar que, em termos de tempo, uma caminhada pode equivaler a algumas horas perdidas em um congestionamento. Começar a perceber a cidade com outros olhos, já que pelas calçadas podem se esconder lugares que nem sempre vemos quando passamos de carro, também é outra vantagem.

Apesar de acostumado, Sergio lembra que também não é fácil ser pedestre em São Paulo. Calçadas esburacadas, falta de faixas de pedestres e passarelas podem ser empecilhos. “Uma vez fui andando até o estádio do Morumbi assistir um jogo. Chegando próximo, não consegui fazer uma travessia num local sem passarela. Tive que voltar e pegar um táxi”, comenta, rindo. As caminhadas também influenciaram Sergio a parar de fumar. “Ano passado fiz 50 anos, dos quais 30 fumando. Agora, também caminho melhor”. Uma nova filial de seu Spot será aberta no Shopping JK, cerca de 10 quilômetros de distância da sua casa. O trajeto, garante, será a pé.

DUAS RODAS

Conhecer a cidade por outro ângulo também é um dos argumentos dos ciclistas, cada vez mais presentes em São Paulo e em outros grandes centros urbanos. A fotógrafa Pamella Gachido, de 26 anos, decidiu trocar o carro pela bicicleta há quase um ano. Os custos com a manutenção do automóvel e algum tempo perdido no trânsito foram fatores que levaram à escolha, aliados à experiência que viveu fora do país. Morando em Nova Iorque por um ano, aprendeu por lá a se locomover de bicicleta. “Minha estadia fora do país me fez redescobrir São Paulo. Voltei decida a tentar viver sem carro e percebi que aqui, muitas vezes, o usamos como uma desculpa, por preguiça mesmo”. Vale lembrar que São Paulo tem hoje 230 quilômetros de estrutura cicloviária, dos quais apenas 60 são permanentes. Os 40 quilômetros de ciclofaixa funcionam apenas nos fins de semana e feriados para lazer.

O trajeto diário de Pamella de casa ao trabalho tem cerca de 10 quilômetros, com muitas subidas e descidas. Por isso, ela optou por uma bike elétrica com pedal assistido, que a impulsiona nas ladeiras acima. “A questão geográfica me fez optar por este modelo, já que não queria chegar muito suada ao trabalho ou virar uma grande esportista”, diz. Além do pedal assistido, a bicicleta de Pamella é dobrável, o que a ajuda quando precisa pegar transporte público ou uma carona por causa da chuva. Hoje, a fotógrafa demora cerca de 20 minutos para atravessar dois bairros. “É claro que há dias que não dá vontade de pedalar, mas de carro demoraria pelo menos o dobro do tempo, sem contar os imprevistos. Agora percebi que toda vez que preciso andar de carro, fico mal humorada”, diz.

É PÚBLICO
Ter um carro está fora dos seus planos futuros e assim também pensa o designer Panais Bouki. Desde que saiu da casa dos pais para morar sozinho, com 21 anos, decidiu não comprar um automóvel, como a maioria dos jovens nessa idade costumam fazer. Ao invés disso, resolveu mudar-se de Interlagos (no extremo Sul da cidade) para o centro, onde teria fácil acesso a diversos meios de transporte. Hoje, com 37 anos, mantém sua postura e vê percebe que há um movimento ao seu redor. “Pelo menos no meu círculo de amizade, vejo que muitas pessoas estão desistindo do carro”, diz. Panais trabalha em casa, mas precisa com frequência sair para visitar agências ou clientes. Usa muito as linhas de metrô que saem do centro, além dos corredores de ônibus. “Tive a sorte de sempre trabalhar em lugares próximos a linhas de metrô. Pra mim, a única desvantagem de não ter um carro é ter que viajar para médias distâncias”, diz. Quando volta a Interlagos para visitar os pais, demora cerca de 1 hora e meia de ônibus. Além disso, avalia que pegar um táxi – vez ou outra – não faz mal a ninguém.

A jornalista Annamaria Marchesini também pensa assim. Moradora do centro da cidade, no bairro Santa Cecília, deixou o carro de lado há cerca de quatro anos e todos os dias vai trabalhar de metrô e trem. “Além de nunca ter gostado de dirigir, andar de carro começou a me incomodar. Um dia resolvi experimentar o transporte público e gostei”. O percurso diário de Annamaria é um pouco longo. São 14 quilômetros da estação de metrô no centro até a agência em que trabalha, no bairro do Brooklin (zona sul da capital). O trajeto demora, em média, 40 minutos, mas duraria muito mais se ela usasse um automóvel. “Uma das maiores vantagens de usar o trem é que sei exatamente quanto tempo vou demorar para chegar ao trabalho. Por isso, posso me programar e aproveitar melhor o dia”, diz.

Para Annamaria, outra maneira eficiente de se transportar por São Paulo é aderir à boa e velha carona. “É uma ótima maneira de usar racionalmente o carro em São Paulo. Fico impressionada com a quantidade de automóveis parados nos congestionamentos e que transportavam apenas uma pessoa”, diz. Pensando nisso, sites como Caroneiros, Projeto Carona ou Carona Solidária ajudam a colocar em contato pessoas que desejam dar ou pedir carona em diferentes partes do país. O ato de compartilhar, seja as ruas ou o próprio veículo, tende a ser uma das soluções mais eficazes para melhorar o trânsito nas grandes capitais. Depois de reunir as dicas daqueles que deixaram o trânsito de lado, Leão Serva avalia: “Pasmem os viciados em carro, eles são mais felizes agora”.

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