quinta-feira, 20 de setembro de 2007

redesenhando a escrita




Tive pouco espaço para isso na revista, mas coloco aqui na íntegra a matéria sobre as adaptações de clássicos da literatura para quadrinhos e graphic novel.




A adaptação de clássicos da literatura vira moda e leva HQ’s até para a sala de aula



Comum em teatro, cinema e tevê, a adaptação de grandes textos da literatura virou moda em outro formato, o das histórias em quadrinhos. Hoje, em um passeio pelas livrarias, é possível encontrar a tensão social de Nelson Rodrigues transformada em graphic novel preto e branco, as feições do Alienista, no melhor estilo século 19, desenhadas à semelhança do próprio autor, Machado de Assis, e o sofrimento de Inês de Castro reproduzido em cores e quadros inspirados no filme O Gabinete do Dr. Caligari.


Figuras nascidas nas letras, como Dom Quixote, Vasco da Gama e Simão Bacamarte, ganham novas feições e, reinventadas por cartunistas e ilustradores, não só ocupam cada vez mais espaço nas prateleiras como alcançam a sala de aula. Os novos autores, muitas vezes, se aventuram também a recriar os textos em uma tentativa de tornar mais agradável a leitura, por vezes árdua, de um clássico.






É aí que se encontra o grande dilema das adaptações. É possível mudar a linguagem original de um clássico sem perder sua essência? Para Wagner Martins Madeira, doutor em letras, professor na Universidade Mackenzie (SP), um grande clássico reescrito com uma linguagem facilitada tem o sentido diluído. “Uma obra clássica coloca um desafio ao leitor, que ele tem de aceitar. Seria um absurdo ler, por exemplo, Os Lusíadas em linguagem infanto-juvenil”, opina.






Que a essência de uma obra está no original, ninguém discute. Outra pergunta que surge, porém, é se não seria melhor chegar a Cervantes por atalhos do que sequer tomar contato com o universo criado por ele. A encruzilhada em que estão colocados alguns textos que o tempo distanciou dos leitores é apontada por Marisa Lajolo, professora da Unicamp. Ela observa que, algumas vezes, recursos utilizados para facilitar a leitura acabam por tornar-se uma barreira. “Clássicos, para serem entendidos hoje, carecem de prefácios, notas explicativas de rodapés, enfim, de todo o aparato que os traduza para a contemporaneidade. O problema é que isso faz com que seja difícil lê-los com envolvimento e adesão”.


Ao contrário do que se possa imaginar, não é nem o caminho da simplificação nem o das notas de rodapé que as editoras estão buscando. Muitos dos clássicos reeditados em quadrinhos mantêm a linguagem original e, ao invés das notas no fim da página, usam a própria imagem como explicação complementar. O segredo dos cartunistas é, por meio da atmosfera gráfica, reproduzir o clima das obras literárias e, assim, envolver o leitor.
Renata Farhat Borges, diretora da Editora Peirópolis, que lançou Os Lusíadas e Dom Quixote em quadrinhos, com texto original, diz que o objetivo das adaptações é aproximar o público de livros dos quais já ouviram falar, mas nunca leram e, quem, sabe, servir como convite à leitura da obra original. “Embora exista uma seleção de conteúdo, há a reprodução de trechos inteiros para que o leitor tenha contato com a maior riqueza, que é a linguagem”.



Alexandre Linhares, coordenador editorial da Conrad, que tem no catálogo adaptações de Eça de Queirós e Franz Kafka, observa que os novos livros percorrem também um caminho oposto. “Os quadrinhos têm conseguido conquistar o público que aprecia literatura”. E não só. Algumas adaptações passaram a ser adotadas por professores em sala de aula. Usados como complemento ao título original, os quadrinhos estão sendo até indicados pelo governo no auxílio à leitura em escolas públicas e particulares.




A opção também é polêmica. Madeira, do Mackenzie, vê prós e contras no método. “Não se pode fazer o trabalho pela metade. Existe a cultura do fácil, de ler resumos de romances para fazer avaliações. É possível utilizar o complemento, como uma forma de auxílio, mas sem haver barateamento. A obra original nunca pode ser esquecida, ela tem que ser o primeiro referencial”.





Alguns professores, por outro lado, acham as adaptações tão válidas quanto os originais. “Acho discutível, neste século XXI, falar de original, e pensar nele como sendo superior a outros produtos dele derivados”, pondera Marisa Lajolo. “As re-escrituras de obras de literatura não precisam ser um caminho para se chegar ao original que as inspirou. No meu modo de ver, elas valem por si.”A consultora pedagógica e especialista em língua portuguesa Maria José Nóbrega mostra outro lado da moeda, o da compreensão dos alunos. Tomando por base os resultados das provas do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), ela diz que HQ não é, necessariamente, sinônimo de simplicidade. “As questões aplicadas com quadrinhos, que exploram aspectos irônicos e brincadeiras gráfico-visuais feitas pelos cartunistas, só são percebidas pelos bons leitores. A idéia de simplificação nem sempre é válida”, diz a professora.


Segundo Maria José, os quadrinhos despertam e exigem do leitor uma dupla competência, a de relacionar os elementos da linguagem icônica à linguagem verbal, preenchendo assim os intervalos entre um quadro e outro. “Pedagogicamente, esse trabalho de interpretação é ótimo. E é melhor ainda quando desperta o desejo de conhecer o clássico. Assim é possível realizar um trabalho de comparação”.



Caco Galhardo, cartunista responsável pela adaptação da obra de Miguel de Cervantes para quadrinhos, diz que o trabalho de adaptação é baseado na vontade de fazer o leitor embarcar numa viagem literária e visual, com respeito ao autor original. “É bom usar um texto que muita gente conhece, mas pouca gente leu. Fiz uma colagem com os principais trechos de Dom Quixote. A obra é reduzida, mas fiel, e mantém o tom satírico, rebuscado e engraçado”.
Para além das relações entre original de recriações, Marisa Lajolo pontua que cada adaptação é uma prova da diversidade que a literatura é capaz de produzir. “É instigante a tendência à re-escritura de obras literárias em outras linguagens, seja adaptações para teatro e tevê, quadrinização ou a transformação em enredo carnavalesco. São mostras da vitalidade da literatura. Reescritas em outras mídias, elas encontram outros percursos, olhos e corações”, reflete.


A experiência estética trazida pelas imagens e o texto mais direto ainda podem deixar os amantes da literatura com um pé atrás. Mas é fato que a fluência visual das HQ’s é capaz de despertar o interesse de muitas crianças, jovens, ou mesmo adultos, pela leitura. E a nova onda de clássicos vem provar que, cada vez mais, nem só de criptonita vivem as histórias em quadrinhos.





Legendas:
1 - Dom Quixote em Quadrinhos, Caco Galhardo (Ed. Peirópolis, R$ 26,00)
2- Os lusíadas em Quadrinhos, Fido Nastri (Ed. Peirópolis, R$ 36,00)
3- O Alienista, Fabio Moon e Gabriel Bá (Ed. Agir, R$ 39,90)
4- O Beijo no Asfalto - Graphic Novel, Gabriel Góes e Arnaldo Branco (Ed. Nova Fronteira, R$ 19,90)

(Algumas imagens ficaram azuladas. problemas técnicos que eu não sei resolver... )

1 comentários:

Nattércia Damasceno disse...

Oi, Camila!
A matéria ficou muito boa.
Adorei o blog.
Parabéns!
Beijos
Nattércia