quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O poder da míni

A história o leitor já conhece. Geisy Arruda, 20 anos, a loira do vestido curto da Universidade Bandeirante (Uniban), é notícia desde 22 de outubro, quando teve de sair do campus da faculdade escoltada pela polícia, sob xingamentos e vaias dos colegas. Imagens gravadas pelo celular e difundidas pela internet tornaram Geisy o centro das atenções, assunto dos mais comentados no Twitter, tema de música de axé no YouTube, além de notícia constante em incansáveis jornais, sites e programas de tevê. Está, inclusive, na mira da Playboy. “Deu no New York Times”, diria Jorge Ben. E deu também no Guardian, do Reino Unido, no americano Examiner e no Pakistan News. Este último, de fato intrigado, devido à fama dos microbiquínis brasileiros. Geisy tornou-se uma espécie de Maria Madalena moderna. Os puros que atirem a primeira pedra.

Expulsa e reintegrada à universidade em menos de 48 horas, Geisy motivou protestos por parte de militâncias feministas e estudantis. Um deles, realizado em frente à instituição na segunda-feira 9, reuniu associações de amparo à mulher, cujas representantes, de microfone em punho em cima do trio elétrico, gritavam sem sucesso. Dos manifestantes presentes, muitas mulheres, donas de casa, senhoras e alguns garotos. Raros eram os alunos da Uniban. A maioria dos estudantes na proximidade do protesto, em parte protegida pelas grades, mantinha o discurso agressivo, vaiando e repetindo a postura vista contra Geisy no dia 22.

Estudantes da Uniban, hoje preocupados com a imagem que terão num futuro próximo, participam do protesto de maneira bairrista, sem parecer entender a discussão sugerida pela turma do trio elétrico. Maria Fernanda Marcelino, militante da Marcha Mundial das Mulheres, é uma delas. “Queríamos abrir um debate sobre como deveriam refletir e não deixar propagar um tipo de comportamento que para a sociedade é muito danoso.” Segundo Maria Fernanda, a decisão de expulsar a garota de vestido curto remete a um senso comum que justifica a violência contra a mulher. Como se a culpa por uma agressão, independentemente de suas circunstâncias, fosse sempre da agredida. “Acredito que a Uniban tenha dado um recado péssimo, do tipo ‘homens continuem agredindo mulheres, a responsabilidade é sua’”, diz a integrante da ONG Sempreviva Organização Feminista. A militante diz ter tido apoio de alunas que temem expressá-lo por temerem ser prejudicadas de alguma forma. “Quando depreciamos a faculdade, questionamos o futuro dessas pessoas.”

Apesar de presente em grande número, a maioria das alunas mulheres não parece se preocupar com a discussão de direitos feministas. Querem, assim como o restante dos alunos, enxovalhar a garota do vestido rosa. Como se o caso de Geisy tivesse se transformado numa enorme rede de intrigas e fofocas, onde não só a universidade mas o País inteiro pudesse opinar. Não foram poucos os xingamentos ouvidos durante a manifestação, em que estava presente Letícia Quinello, aluna de Pedagogia. “Só a gente viu essa menina levantando o vestido e mostrando a bunda com a calcinha pra fora. Essa ideia de sensacionalismo só leva a crer que o brasileiro é burro”, diz a aluna de 27 anos, trajada com terninho e saia reta na altura dos joelhos. A amiga de curso, Letícia Longuinho, de 19 anos, conta que Geisy mandava beijos, mostrava os seios e posava para fotos antes e durante a confusão. “Muitas meninas vêm de saia curta, não vamos ser hipócritas. Mas é maneira de se comportar? Se fosse eu, mesmo de saia curta, não ia me portar como celebridade, mas como alguém que quer respeito.”

Depois de reintegrar a aluna, a Uniban decidiu transferir a turma de Geisy para outro prédio do campus, mais afastado. Em entrevista coletiva, Ellis Brown, vice-reitor, ofereceu apoio e segurança necessários à volta da garota, que não frequenta as aulas desde o ocorrido. Na manifestação da segunda, Pedro Lessi, um dos advogados de Geisy, gritava a plenos pulmões em cima do trio elétrico que faria de tudo para fechar a Uniban, que “não dá tratamento digno ao ser humano”. Esta imagem rendeu à universidade o apelido de Unitaleban, em referência à milícia extremista islâmica.

O advogado defendia firmemente a segurança da mulher. Ao avistar a apresentadora Sabrina Sato, que gravava matéria para o programa humorístico Pânico na TV, debochou dos alunos que não teriam coragem de censurar o vestido da famosa. “Seus covardes”, gritava. “Isso afeta a Constituição Federal, a lei foi rasgada. Geisy foi vítima da ardilosidade de homens totalmente despreparados para a sociedade. E esses diretores que voltaram atrás na decisão da expulsão não têm caráter nem personalidade. Deveriam ser banidos do ensino no Brasil”, disse um pouco depois à CartaCapital.

Quietas em um dos cantos da manifestação, as estudantes de Moda Stephanie Gusmão e Zan, de 21 e 27 anos, estavam atentas aos discursos, sem achar necessária a euforia do momento. “A mulher lutou muitos anos pela liberdade a favor da minissaia e agora a ‘mina’ vem assim e é tratada como lixo? Sou a favor da liberdade, cada um anda como quer e se não concorda, venha diferente”, diz Zan. Pacíficas e bem-humoradas, sugerem uma manifestação de impacto. Que tal, a favor da liberdade, todas retirarem suas mínis do armário?

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