segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

aquele que não sabia desenhar

95 gravuras originais trazem ao Brasil o universo de M.C. Escher

POR CAMILA ALAM


“Não é mesmo um absurdo, traçar algumas linhas e depois dizer que é uma casa?”. Absurda é a idéia de que o autor desta frase, artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972) se considerasse um desenhista ruim, daqueles que pouco improvisam e dependem de modelos reais à mão. Em meio às suas paisagens, ladrilhos, reflexos, repetições e estudos de perspectiva infinita, vez ou outra recorria a estes modelos, alguns de sua própria autoria. Mas são de sua imaginação e curiosidade que saíram suas mais brilhantes composições, xilogravuras e litogravuras que sugerem enigmas e estão expostas a partir de 18 de janeiro no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, e a partir de abril em São Paulo.

Sucesso de público em Brasília, com mais de 190 mil visitantes, a exposição O mundo mágico de Escher apresenta 95 gravuras originais, desenhos e instalações, vindos do Museu Escher, na Holanda, aqui sob curadoria de Pieter Tjabbes. Foram cinco anos de negociação para trazer ao país as frágeis obras do artista. Dentre elas, estão paisagens pouco conhecidas, feitas na juventude, como a série Flor de Pascua (1921). São ilustrações de um folheto escrito por um amigo da Escola de Arquitetura e Artes Decorativas de Haarlem, sua primeira encomenda. Nesta embrionária série de xilogravuras pouco detalhadas e mais rústicas estão temas que M. C. Escher trataria por toda vida em sua obra. Nesta seqüência de pequenas dimensões (12cm x 9cm) aparecem a natureza, fundamental em sua obra, em meio a ladrilhos, repetições e espelhamentos. Montanhas, salamandras, plantas, sapos e formigas se fazem presente desde este início.

A exposição segue cronologicamente até sua estadia na Itália, onde permaneceu até 1935 e desenvolveu trabalhos sobre a perspectiva e a ilusão de ótica. O universo é tema freqüente, influência pelo período em que costumava observar o céu com seu pai, de quem havia ganhado um telescópio na adolescência. Alguns teóricos, como a historiadora Micky Piller – que assina textos no catálogo da exposição -, acreditam que a obra de M. C. Escher se divide neste momento. A partir de então, o holandês passou a explorar as metamorfoses, os caminhos cíclicos, os mergulhos no infinito, em gravuras que o consagraram e ao mesmo tempo foram rejeitadas pelos críticos de arte da época, que custaram a vê-lo como um artista moderno. Sua primeira mostra retrospectiva aconteceu somente em 1968, quatro anos antes de sua morte.

Seus verdadeiros admiradores, a princípio, eram os cientistas, encantados pela lógica matemática e geométrica de seus trabalhos, como Dia e Noite, de 1938. Com alguns deles costumava bater papos curiosos, buscando inspiração. “Durante um longo período era mais fácil encontrar uma gravura de Escher num departamento de matemática do que em um museu”, diz Piller.

Um dos prazeres do artista era confundir o espectador, criar linhas e padrões ilusórios. Gostava de misturar dimensões, ignorar a gravidade. Não raro, suas correntezas subiam rio acima, ou suas escadas perdiam o fim nas alturas. Suas paisagens conduzem o olhar do espectador para um movimento cíclico que nem sempre faz sentido. “É preciso haver certo grau de mistério, mas que não seja imediatamente aparente”, disse em 1963. Assim como o pintor italiano Giorgio de Chirico (1888 – 1978), seu contemporâneo, brincava com a perspectiva de maneiras diversas. Para Piller, o espectador precisa “caçar” o ponto de vista, que pode mudar várias vezes em uma mesma imagem. “Quem aceita essa lógica escheriana se sente em casa no mundo dele, onde a eternidade e a infinitude se abraçam”.

A infinitude se faz presente também quando o artista se utiliza de espelhos para criar espaços impossíveis, como Natureza-morta com espelho (1934) ou Natureza-morta e rua (1937). Em ambas, é preciso atenção do espectador para perceber diferentes planos e espaços que, embora impraticáveis, pareçam reais. “Sua realidade tem aparência totalmente plausível”, aponta a historiadora. Em outras ocasiões, seu reflexo em espelhos convexos dá origem a autorretratos, explora o ambiente por trás do artista, revela ao espectador o entorno de seu atelier, o espaço que há entre o observado e o observador.

Sob influência da matemática e dos azulejos mouros desenvolveu ladrilhos, feitos com variações de um mesmo tema ou metamorfoses. O artista via nas repetições uma maneira de demonstrar seu fascínio pelo infinito e pela eternidade. Eram, segundo o próprio, seu tema mais importante e realizou alguns em parceira com a esposa, Jetta. Ainda em 1922 fez deste um tema presente, como em Oito cabeças, em que um padrão de bustos se encaixa e é repetido diversas vezes.

Não à toa, a exposição O mundo mágico de Escher, em cartaz no Rio até março, explora as instalações interativas e tecnológicas, que fazem o visitante mergulhar neste amplo universo. São ao todo dez instalações, onde o espectador vivencia o infinito, a repetição e as ilusões de ótica criadas por especialistas em espelhos. Uma das preferidas do público é a sala que inaugura a mostra, conhecida também como Sala de Ames, criada pelo cientista americano Adelbert Ames Jr. Em um pequeno cômodo, com o chão quadriculado, dois visitantes se colocam em cantos opostos. Por meio de ilusão de ótica, um deles parece um gigante e o outro, um anão. Em outras, há o efeito de buraco infinito ou de metamorfose. Em A Casa de Escher, o visitante é convidado a adentrar a gravura Autorretrato em esfera espelhada (1935).

Além das instalações, o visitante poderá assitir a filmes que passeiam por quatro obras do artista. “Muito mais que uma exposição tradicional, tentamos fazer uma vivência da obra do artista. Sem perder qualidade, queremos também atrair aquele público que não costuma freqüentar espaços culturais”, diz Tjabbes.

Deste universo, surgem hoje citações e homenagens, além de inúmeras reproduções. Em 2009, o estilista britânico Alexander McQueen apresentou estamparia inspirada em suas gravuras, com tons de cinza e linhas repetitivas e delicadas. Chistopher Nolan, diretor do longa A Origem (2010), se inspirou na gravura Relatividade (1953) para criar o universo de sonhos sobrepostos, onde as escadas infinitas não levam a lugar nenhum. Se demorou a ser reconhecido no século XX, Escher adquire nestes nossos tempos ares de precursor. “Eu não consigo deixar de brincar com as nossas certezas estabelecidas”, dizia o artista.

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