sábado, 1 de março de 2008

historietas

O tradutor Mamede Mustafa Jarouche, responsável pelas belas edições do Livro das Mil e Uma Noites, continua abordando o amplo universo das anedotas árabes em seu novo Histórias para Ler Sem Pressa (Globo, 80 págs, R$ 25), ilustrado por Andrés Sandoval. Como o título da compilação sugere, os pequenos contos traduzidos direto do árabe para o português são aperitivos, para serem lidos tranqüilamente. E, apesar do calor dos desertos que povoam as páginas, um convite à sombra e água fresca.

De origem libanesa, o professor aprendeu a conviver com a língua árabe em casa, mas passou a entender sua plenitude quando viveu no Oriente Médio. Hoje, suas traduções são sinônimo de excelência. Conversei com ele para a cartacapital e ele me contou um pouco de seu garimpo e tradução de belas histórias.


CartaCapital: Como foi feito o projeto e o garimpo de histórias para esse novo projeto?
Mamede Mustafa Jarouche: A idéia surgiu de um projeto acadêmico. A principio preparei uma antologia bilíngüe de textos em árabe, com a tradução em português e comentários gramaticais e históricos. No molde das antigas antologias arabistas da Europa. O projeto ficou parado, acabei perdendo computador onde tinha reservado o material e fiquei só com um exemplar que não dava para aproveitar muito. Até que o Joacir Furtado, meu amigo da USP e hoje da Editora Globo, teve a idéia de publicar só a parte em português. Então me comprometi a retocar e ampliar as traduções. Separei apenas textos que formavam uma narrativa, de caráter leve e anedótico. Mesmo quando são históricas, tem uma linha de leveza. É um livro pequeno, mas completado pelo o trabalho do desenhista Andrés Sandoval.

CC: A Avareza está presente em muitos textos. É uma característica dessas histórias?
MMJ: Alguém já comentou comigo que ficou espantado com a quantidade de histórias sobre avareza. Mas é porque usei bastante um livro chamado Os Avaros, do século IX, que contava histórias de pessoas avarentas, e como tem! A natureza é hostil no Oriente Médio, certamente a avareza é um dos defeitos mais criticáveis e increpáveis. Em um meio onde a carência prepondera com muita intensidade, o fato de dar um copo d’água muitas vezes é um gesto de grande generosidade. As histórias, conforme a própria retórica árabe antiga dizia, são lições para quem reflete. Ou seja, são textos que estão abertos à interpretação e que podem ser aplicados diretamente em um contexto diário.

CC: Alguns contos são bem subjetivos. Cabe a cada leitor fazer sua interpretação?
MMJ: Sim, existem duas vertentes: os textos que falam da interpretação, de como interpretar o mundo e seus fatos. Outros textos ridicularizam a interpretação, como a história em que o ignorante fala com o rei (Conversando por Sinais narra a falha de comunicação entre um homem simples e um rei, onde cada um interpreta a conversa de maneira antagônica). É um texto anedótico que mostra a hiper-interpretação, e subliminarmente, sua ridicularização porque são diametralmente opostas. O mesmo gesto é lido de uma maneira por um, e de outra maneira por outro. Em outros textos é feito elogios sobre as possibilidades de interpretação que o mundo nos dá. Sempre o que está em foco é a interpretação, a alegoria.

CC: A seleção dos contos é uma tarefa difícil?
MMJ: Não é tão difícil reunir esses pequenos textos, é uma tradição está presente em qualquer obra antiga. O tempo todo os autores ilustram uma explanação com uma historieta, ou mesmo, elas servem como uma quebra para um tema árido. É como se isso fizesse o leitor espairecer um pouco. Elas existem em abundância, a seleção acaba sendo aleatória.

CC: O Livro das Mil e Uma Noites continua?
MMJ: Sim. Lançamos o terceiro volume em dezembro e estou trabalhando no quarto. Foi um trabalho bem recebido, muito comentado. O mundo árabe está em evidência e isso faz com que as pessoas se interessem e leiam mais a respeito. Esse é um típico exemplo do imaginário árabe, um clássico também na cultura ocidental. São contos bem mais longos, com ramificações. Eu me orgulho muito desse trabalho porque não é algo que já tenha sido feito, algumas das histórias nunca foram traduzidas para nenhuma língua ocidental. Tinha pensado em cinco volumes, mas penso que não serão menos que sete.

CC: O árabe falado em casa, pelas famílias tradicionais, é diferente?
MMJ: O árabe é uma língua cujo padrão escrito é muito diferente do padrão falado. O árabe escrito é o mesmo do Marrocos ao Iraque, mas o falado tem uma diferença mais acentuada. Mais até do que o português de Brasil e o de Portugal. Em 81, quando ganhei uma bolsa para Arábia Saudita e aprendi o árabe escrito, tive noções das diferenças. De casa, trazemos a pronúncia.

CC: Como você começou a trabalhar com tradução?
MMJ: Quando me formei em português na USP, fui estudar fora do Brasil. Trabalhei como tradutor no Iraque, na Líbia, estudei no Egito. Quando voltei comecei a dar aula de árabe própria universidade. Começaram a aparecer pequenos projetos, até que o Joacir Furtado me convenceu a fazer o projeto da tradução das 1001 noites. Praticamente me intimou, aquela coisa que só os amigos podem fazer.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ola Camila,

Adorei a entrevista que vem elucidar e informar mais sobre essa cultura tao interessante e pouco difundida.

beijos
katia

Anônimo disse...

Camila, um blog deste tamanho. Vc ta trabalhando pouco, ne. Sergio Lirio, seu chefe

Anônimo disse...

Oi Ca!
Amei a entrevista. Ainda mais agora que estou me interessando em conhecer a cultura Oriental!
Te amo
Bjao