quarta-feira, 28 de maio de 2008

Borghi, meio século


Quando Renato Borghi subiu aos palcos profissionalmente pela primeira vez, sabia o que estava fazendo. Mas não onde iria chegar. “Eu era um irresponsável, não tinha a menor idéia do que podia acontecer. Mas quando abriu o pano, estava tranquilo”. Passados 50 anos desde Chá e Simpatia, de Robert Anderson, montado por Sérgio Cardoso, em São Paulo, Borghi continua tranqüilo ao abrir das cortinas.

Comemorando cinco décadas de teatro, ele estreiou no sábado 22, ao lado da sobrinha Luciana Borghi, Cadela de Vison, peça de sua autoria, parte da trilogia iniciada com Lobo de Ray-Ban, em 1987. O ator não gosta da expressão “trilogia”, mas sabe que agora está praticamente intimado a escrever uma terceira peça. “Acho que seria algo como Orangotango de Turbante”, brinca, bem humorado.

Depois de 50 anos de palco, Borghi alcançou o privilégio de escolher onde quer atuar. A “autonomia bonita”, como diz, não vem por acaso. Criador do Teatro Oficina na década de 60, ao lado dos colegas da Faculdade de Direito da USP José Celso Martinez Corrêa e Amir Haddad, ainda guarda certo espanto quando olha pra trás. “O Oficina foi um milagre. Deu certo desde a primeira peça, mesmo nas condições precárias que tínhamos”, diz, lembrando do tempo em que os amigos se juntavam para encenar pequenas peças nas mansões paulistas. “Eram espetáculos a domicílio. Entrávamos e saíamos pela porta dos criados, mas o cachê era bom e os grãfinos adoravam”.

No Oficina, foi consagrado como ator em peças como O Rei da Vela (1967), de Oswald de Andrade, e Galileu Galilei (1969), de Bertolt Brecht. “Era a época da censura, mas trabalhávamos com metáforas claríssimas e os estudantes adoravam”, lembra. Desligado da companhia desde a década de 70, trilhou caminho próprio e, em 1995, criou o Teatro Promíscuo, em parceria com o também ator e diretor Élcio Nogueira. “É uma sorte conseguir fazer aquilo que desejamos. O que eu mais festejo é a liberdade.”

Em Cadela de Vison, peça dirigida por Nogueira, Borghi encarna Sandro, homem das artes que vive o último dia em um teatro prestes a ser demolido. Sandro encontra-se com Mona (Luciana Borghi), um espectro mítico, cantora de beleza triste e fantasma da infância do personagem. Ela é a representação de todas as figuras femininas que influenciaram a vida do dramaturgo. “Comecei a perceber que, em todas as manifestações artísticas, sempre foi o mito feminino que mais me preencheu. Eu preferia ser Cacilda Becker a Sérgio Cardoso. Adorava aquele jeito meio esquisito que ela tinha de falar”.

É Mona quem pergunta ao personagem: “Você na história do teatro? Sai dessa”. Provocativo? Sim, mas também muito seguro de que seguiu o que considerava ser seu caminho. Com vigor jovial e ciente de que ainda há muito a ser feito, Borghi segue até hoje uma singela ordem dada há 50 anos por Sérgio Cardoso. “Naquela época, ele me disse: ‘Nunca mais deixe o teatro!’. E eu obedeci. Tenho que obedecer os deuses do teatro.”


Em 1958, com Nydia Lícia, em Chá e Simpatia

Lá em cima, com Luciana Borghi em Cadela de Vison

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