quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Vik Muniz: entrevista completa

Como já tinha falado neste post aqui, Vik Muniz está realizando uma grande retrospectiva no MAM, do Rio, que em abril chega a São Paulo. Como prometido, aí vai a entrevista na íntegra com o artista, feita por e-mail. Gosto bastante de sua visão crítica em relação ao próprio meio, de como ele fala com respeito sobre a Pop Art e das metáforas mil.




Camila Alam: Sua arte hoje vive sem fronteiras. Apesar de muito conhecido fora do país, como acha que é visto pelo público brasileiro?
Vik Muniz: A coisa mais interessante de poder expor uma obra internacionalmente é justamente ter a oportunidade de captar sutilezas específicas na maneira com que cada cultura se relaciona com o trabalho. Porém, a frequente necessidade de uma caracterização nacionalista produz uma interferência supérflua na percepção do meu trabalho. O publico brasileiro com quem eu tenho tido contato nos últimos anos que tem sido, de certa forma, bastante específico; colecionadores, estudantes de arte, intelectuais enfim, gente ligada a arte vê o meu trabalho com um misto de desconfiança e orgulho.


CA: Como é e qual o peso de voltar a expor no país fazendo uma retrospectiva?
VM: Eu comecei a fazer retrospectivas muito jovem (risos) e, por isso mesmo, a montagem de uma exposição como a do MAM, não me deixa apreensivo. É como um álbum dos maiores sucessos ou o resumo de um livro. Depois de vinte e tantos anos de carreira, você sabe o que funciona e o que não funciona. O que mais me excita nesta mostra é esta abertura de publico. Escolas, trabalhadores, gente não necessariamente relacionada com arte. Principalmente quando esta gente fala a minha língua e vive a minha cultura.É com essa gente que eu sinto ter um compromisso, algo que eu ainda tenho que fazer.


CA: Ainda se sente ligado ao Brasil? De que maneira essa ligação influencia sua arte hoje?
VM: O Didi, dos Trapalhões, sempre que mencionava um filme, citava A Volta dos Que Não Foram. Eu sou o ideal protagonista desta mitológica película. Embora eu tenha saído do Brasil, o Brasil nunca saiu de mim. A minha infância de subúrbio, a minha ótica de [classe] média, adquirida numa adolescência durante a ditadura, a minha destreza linguística, minha
obsessão pela mídia...Tudo isso é o Brasil dentro de mim que me faz ver e traduzir o mundo de
uma forma especial e útil.


CA: Até onde vai a influencia dos artistas pop em sua obra? Ela existe ainda hoje?
VM: O Pop apareceu como uma resposta ao distanciamento de valores estéticos do ordinário, do dia-a-dia. O expressionismo abstrato era capaz de produzir uma vacuidade semântica que podia ser facilmente preenchida por generalizações de ordens espiritual, filosófica e consequentemente elitista.Warhol e Litchenstein, resgataram do pré-guerra ( principalmente em Stuart Davis), uma arte mais tangível, de linguagem comum e acessível, que valorizava o particular, o palpável e o mundano. O retorno da abstração na forma do minimalismo, obedeceu estas regras humanas, e subsequentemente, todos os discursos até a contemporaneidade foram influenciados pelo o
humanismo do Pop. Sou feliz de fazer parte deste legado, pois em meu trabalho estou sempre
valorizando o que as pessoas estão cansadas de ver.


Auto-retrato (cliquei para ampliar)


CA: Você tornou-se referencia ao utilizar os mais diversos materiais para criar suas obras. Como se dá a pesquisa de materiais? Como é o seu processo criativo?
VM: Meu processo de trabalho é uma espécie de caos organizado, onde cada regra ou habito visa uma abertura completa de opções. Eu sempre espero que os materiais me encontrem, em vez de eu ir até eles. Eu nunca anoto ideias, deixo-as fermentando na minha cabeça, se transformando, se fundindo e, muitas vezes, se apagando por irrelevância ou amnésia. Na maior parte do tempo, estou produzindo coisas que comecei a pensar há muitos anos. Este processo de amadurecimento é essencial, pois com o tempo, a ideia vai se amalgamando com a sua realização. Eu só produzo ideias que à principio parecem impossíveis. Agora mesmo estamos estudando uma forma de produzir imagens utilizando milhares de pessoas na China. Mais importante do que materiais ou ideias, é a forma como as duas coisas se relacionam e, por isso, acho que o meu maior interesse é em desenvolver processos.



CA: Acredita que sua obra pode interagir diretamente com o público ou essa interação se dá através da própria contemplação? O que acha da arte diretamente interativa?
VM: Toda a arte relevante é interativa. Quando uma imagem é interessante, o espectador inicia um dialogo consigo mesmo que consiste em questões do tipo Como é que isso foi feito? Por que? Aonde? Uma parte do cérebro, a intuitiva e sensual, pergunta. E a outra, lógica e objetiva, tenta responder. A exteriorização completa deste dialogo atrofia a lógica e o discernimento através do exercício único dos reflexos. Eu trabalho com imagens inertes porque quando uma imagem se movimenta, a primeira reação do espectador é de parar para ver. No meu caso, a imagem muda de significado através da aproximação física do público e esta interatividade passa a acontecer tanto no plano exterior como no interior, de uma forma lenta, abordável e inteligível.


CA: O que mais te agrada na arte contemporânea hoje? Quais artistas são relevantes para você?
VM: Quando se dirige um carro, a gente olha para frente, pelo retrovisor e muito pouco para os lados. Esta é uma boa metáfora para a minha relação com a arte do meu tempo. Estou sempre tentando analisar o futuro e a importância da minha ocupação para saber para onde ir. Frequentemente checando o passado para me orientar em relação à minha origem e
saber encontrar a própria faixa. Assim, os outros artistas é que tem que tomar cuidado para não se esbarrar em mim. O meu interesse em arte contemporânea é focado naquilo que sou incapaz de fazer. A pintura contemporânea por exemplo é algo que acompanho e aprecio.


CA: Recentemente, a obra Pictures of Diamond: Catherine Deneuve foi arrematada em lance
máximo durante um leilão de fotografias em São Paulo.Você acompanha esse mercado? [mais sobre isso neste post aqui]

VM: Não, eu pago uma pessoa para cuidar destas coisas por mim. Eu quase não visito galerias,
quanto mais feiras e leilões. Eu nunca encontrei um boi que ficasse rondando o açougue. Quem
se preocupa muito em vender, fica sem tempo para fazer.

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