quarta-feira, 11 de junho de 2008

à espera da morte

O crítico cultural britânico Norman Lebrecht gosta de causar polêmica. Mas não sem fundamento. É por isso que sua opinião, séria e embasada, não passa em branco. Em 2001, quando lançou o best-seller O Mito do Maestro, espicaçou os regentes que, entorpecidos pelo poder, são tidos como heróis, mesmo quando inclinados ao charlatanismo.
Agora, Lebrecht vai mais longe. Ele diz que a indústria de gravação da música clássica está fadada ao fracasso. E, como todos nós, seres humanos, à espera da morte. “Morta. Quase completamente morta”, define. Em Maestros, obras-primas e loucura (Ed. Record, 350 págs., R$ 47), que chega às livrarias do Brasil esta semana, o autor relembra os passos das grandes gravadoras e conclui que, tanto para elas quanto para seu público, a estrada se aproxima do fim.


Nenhuma orquestra, regida por qualquer maestro, será capaz de transformar uma nova gravação de Mozart ou Tchaikovsky em um grande sucesso. Novos músicos, como a premiada violinista americana Hilary Hahn, atualmente uma das mais importantes do país, não obteve o mínimo de sucesso nas vendas do último lançamento, nos Estados Unidos.
Se, por um lado, o tradicional parece ter cansado, as inovações do tipo crossover (quando os arranjos clássicos se misturam à música de outro gênero, como rock ou pop) tampouco atraem os ouvintes. “Nenhum disco que utilizou essa técnica foi bem sucedido. Os primeiros lançamentos causaram impacto, mas a segunda leva fracassou. Não há valor cultural nisso”, diz Lebrecht em entrevista à CartaCapital.

Para o autor, faltou audácia às grandes gravadoras, aprisionadas a fórmulas óbvias e conservadoras nos investimentos. Além disso, os executivos perderam o contato com a realidade do consumidor. “Quando passamos do LP para o CD, a indústria conseguiu dez anos de sucesso. Mas, ao invés de investirem o dinheiro em novos repertórios, novas idéias e novas maneiras de apresentar a música clássica, continuaram com os mesmos pensamentos antiquados. Estavam interessados em escolher maestros para conduzir os clássicos”, diz, alfinetando mais uma vez os regentes.




Apesar da crise e da pouca fé na recuperação desse vasto universo, Lebrecht vê nas orquestras uma importante peça no jogo da indústria fonográfica. Ironicamente, elas são beneficiadas pelo fracasso dos CDs. Com o colapso das gravações, as orquestras, cada vez mais, atraem espectadores ávidos por uma apresentação ao vivo. Algumas, como as filarmônicas de Londres ou São Francisco, variam as peças de acordo com o perfil do público. “Essas são inteligentes. Aquelas que se prendem à rotina estão em grande dificuldade”.

A internet, tida por muitos como a grande vilã da indústria fonográfica é, para Lebrecht, a ferramenta que vai contribuir para uma eventual retomada da gravação. “Aliados às apresentações ao vivo, os downloads na internet ajudam a criar uma audiência global, fazendo com que países como a Índia ou a China acordem para a produção ocidental”. Os países orientais estão na mira do autor como futuros e promissores criadores de música clássica. “Neste momento, 30 milhões de crianças estão tendo aulas de piano na China. Elas não só são a próxima geração de solistas, mas também os espectadores do futuro. Estou muito otimista”, diz. Não à toa, é rara a orquestra no mundo que não tenha músicos orientais.

Ao mesmo tempo em que desenha um retrato sombrio do atual momento, Lebrecht relembra, em Maestros, obras-primas e loucura, os grandes concertos de outrora. Para atiçar a imaginação dos entusiastas, a quem ele atribui a sobrevivência da música clássica, o autor lista e comenta as 100 melhores gravações do século.

O capítulo final é dedicado ao que chama de “loucuras”. É a hora de listar as 20 gravações que jamais deveriam ter sido feitas e que contribuíram ainda mais para o naufrágio do barco da indústria. Sobra até para a Filarmônica de Berlim, regida pelo mitológico Herbert von Karajan, numa gravação do Concerto Triplo de Beethoven, em 1969. Segundo Lebrecht, os músicos estavam mais preocupados com a foto da capa do que com os andamentos e notas.
(publicado em CartaCapital, ed. 499)

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